Bruneto Latini (1230-1294) que inspirou a obra de
Dante sobre o Inferno, escreveu em Tesoretto
sobre a existência de uma pátria habitada por criaturas disformes e espantosas
como homens com os pés apontando para trás e com oito dedos em cada pé, ou com
olhos nos ombros e alguns de um olho só bem no meio da testa. O mapa de Andrèa
Bianco em 1436 mostra ao lado do paraíso, no oriente da Àsia, homens sem cabeça
e com os olhos e a boca no peito[1]. Sérgio
Buarque de Holanda em Visões do Paraíso ao comentar a frequência com
tais estórias sobre o paraíso estão presentes antes da descoberta das Américas,
o que parecia se confirmar com a visão de índios nus, florestas virgens e papagaios
falantes, escreve: “A frequência com que
até em mapas itinerários surgem essas figuras indefectivelmente vinculadas à
paisagem edênica (o jardim do Éden) faz crer que correspondessem a um sentir
geral, porventura nascido de tradições anteriores ou alheias à própria difusão
do cristianismo”[2]. Ao analisar
o misticismo espanhol Oliveira Martins observa que este foi o fator motivador
que impulsionou os espanhóis à conquista da América do século XVI: “Essa história
é um milagre sim, de energia humana. O misticismo é o foco onde essa luz se
concentra, é a fonte de onde brotam a ação, a força, a extraordinária fé na
invencível vontade humana”.[3] Para
Sergio Buarque de Holanda, dentro de uma perspectiva fundamentada na história
das mentalidades, mostra que tais estórias estão bem mais presentes nos textos
dos colonizadores espanhois do que nos portugueses o que revela um aspecto mais
pragmático dos portugueses que já haviam terminado há dois séculos sua
Reconquista quando se lançaram nas navegações ultramar no século XVI[4]: “O
gosto da maravilha e do mistério quase inseparável da literatura de viagens na
era dos grandes descobrimentos ocupa espaço singularmente reduzido dos escritos
quinhentistas portugueses sobre o Novo Mundo”.[5] O
castelhano, por outro lado, era mais retórico, metafórico, mais afeito às
elocubrações em torno do inverossímil e do fantástico, por exemplo na busca do
paraíso terrestre[6].
Fatores como a amenidade das condições climáticas, a abundância de recursos
naturais e a inexistência de doenças seriam fortes indicativos para os
espanhóis de que na América, se encontraria o Paraíso bíblico. Sergio Buarque
de Holanda argumenta que a maior parte dos mitos edênicos difundidos durante a
conquista ibérica foram criações castelhanas e que uma vez difundidos tais
mitos entre os portugueses, tais criações perdiam seu vigor ou mesmo deturpados.
Tais criações, contudo não se restringiam ao mundo ibérico. O inglês Walter
Raleigh, em 1600 descreve a presença de Ewaipanomas (na figura) seres sem cabeça na Guiana
próximo ao Orinoco.[7]
[1] HOLANDA, Sérgio
Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo;Brasiliense, 1994, p. 18
[2] HOLANDA, Sérgio
Buarque. Visão do Paraíso. São Paulo:Brasiliense, 1994, p. 19, 215
[3] MARTINS, Oliveira. História da civilização ibérica, Lisboa: Guimarães Editores,
1994, p. 222
[4] AIROLA, Jorge Magasich; BEER, Jean Marc. América mágica, Rio de Janeiro: Paz e
terra, 2000, p. 281
[5] HOLANDA, Sérgio
Buarque. Visões do Paraíso, São Paulo: Brasiliense, 1992, p.1
[6] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visões do paraíso, São Paulo:Brasiliense, 2000, p.
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