quarta-feira, 2 de junho de 2021

A renovação cultural de Coimbra por Pombal

 

A renovação cultural promovida pelo marquês de Pombal permitiu a maior penetração das teses iluministas em Portugal apesar de seu governo despótico. Em 1761 o então conde de Oerias, futuro marques de Pombal, ministro do rei D. José fundou o Real Colégio dos Nobres. Em 1765 foi concedido e doado ao Colégio dos Nobres o privilégio exclusivo para a impressão dos livros de Euclides, de Arquimedes, e de outros clássicos das ciências matemáticas. Este privilégio foi transferido para a Universidade de Coimbra pelo alvará de 16 de dezembro de 1773. Os novos estatutos da Universidade de Coimbra em 1772 organizados pela Junta de Providência Literária da qual faziam parte o cardeal da Cunha, o bispo Cenáculo, Francisco Lemos, Ramos de Azevedo e outros[1], criaram as faculdades de matemática e filosofia natural dotada de observatório astronômico, laboratórios de química e física e jardim botânico. Com os novos estatutos de Coimbra em 1772 foram abolidos os estudos matemáticos, até então professados no Real Colégio dos Nobres.[2] Em 1769 foi criada a imprensa régia em que a censura embora tenha deixado de ser religiosa nem por isso deixou de haver censura política, no entanto o saldo com certeza foi de maior liberdade.[3] O cônego Ribeiro Sanchez expõe este paradoxo: “Este Ministro quis um impossível político; quis civilizar a Nação e ao mesmo tempo fazê-la escrava: quis espalhar a luz das ciências filosóficas e ao mesmo tempo elevar o poder real ao despotismo”.[4] Apesar da renovação promovida por Pombal nos estudos da Universidade de Coimbra[5], Bernardo Pereira de Vasconcelos ao se formar em 1814 refere-se a um ensino conservador: “O direito de resistência, esse baluarte da liberdade era inteiramente proscrito e desgraçado de quem dele se lembrasse. Estas e outras doutrinas se ensinam naquela universidade, e por que ? porque está inteiramente incomunicável com o resto do mundo científico. Ali não se admitem correspondências com as outras Academias; ali não se conferem os graus senão àqueles que estudarem o ranço dos seus compêndios, ali estava aberta continuamente uma inquisição, pronta para mandar às chamas todo aquele que tivesse a desgraça de reconhecer qualquer verdade, ou na religião, ou na jurisprudência ou na política. Daí vinha que o estudante que saída da Universidade de Coimbra devia, antes de tudo, desaprender o que lá se ensinava, e abrir nova carreira de estudos”.[6] O mesmo Bernardo Vasconcelos em 1826 escreve que “Estudei direito público naquela universidade e por fim saí bárbaro, foi-me preciso até desaprender.  [..] nela se dizia  Deus no campo de Ourique dera a Afonso I todos os poderes e à sua descendência [...] Essas e doutras doutrinas se ensinam naquela universidade, e por que ? Porque está inteiramente incomunicável com o resto do mundo científico. Ali não se admitem correspondências com outras academias; ali não se conferem os graus senão aqueles que estudaram o ranço de seus compêndios, ali estava alerta, continuamente, uma inquisição, pronta para mandar às chamas todo aquele que tivesse a desgraça de reconhecer qualquer verdade, ou na religião, ou na jurisprudência ou na política. Daí vinha que o estudante  que saía da Universidade de Coimbra devia, antes de tudo, desaprender o que lá se ensinava e abrir nova carreira de estudos”.[7] Para o conselheiro Bernardo Xavier Sacchetti: “os jesuítas em Portugal empenhados em perpetuar a ignorância da novidade, cuja instrução lhes estava confiada, teimaram até a data da sua extinção em 1759 uma lógica que não passava de mera arte silogística vã, inútil e intrincadíssima, uma física, não estabelecida em princípios certos e claros, ou da experiência, mas da interpretação de Aristóteles por Averroes que consistia em termos gerais e obscuros sobre causas, princípios, formas, etc e finalmente uma metafísica, que não era a do sobredito Aristóteles, que não se sabe dizer em que consistia”.[8]


[1] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo: Queiroz Editor, 1992, p.446

[2] https://www.arqnet.pt/dicionario/rcolnob.html

[3] MARQUES, Oliveira. Brevíssima história de Portugal. Rio de Janeiro: Tinta da China , 2016, p.131

[4] COSTA, Cruz. Contribuição à história das ideias no Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1967, p. 57; BOXER, Charles. O império Colonial português, Lisboa:Edições 70, 1969, p.190

[5] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo: Queiroz Editor, 1992, p.446

[6] SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 118

[7] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 573

[8] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo: Queiroz Editor, 1992, p.455



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