Segundo
Gilberto Freyre: “os primeiros jesuítas
no Brasil quase se envergonham, através das suas crônicas, do fato de lhes ter
sido necessário exercer ofícios mecânicos. Seu gosto teria sido se dedicarem
por completo a formar letrados e bachareizinhos dos índios [...] Entre os
primeiros jesuítas do Brasil parece que só o padre Leonardo trouxera do século
o ofício de ferreiro; quase todos os outros, puros acadêmicos ou doutores” [1].
Segundo o escritor Félix Ferreira ao discorrer sobre o Liceu de Artes e
Ofícios: “o homem livre, ignorante em matéria de arte, vendo-a exercida pelo
escravo não a professa porque teme nivelar-se com ele; e o escravo, o mais
ignorante ainda, tendo à arte o mesmo horror que vota a todo trabalho de que
tira proveito para alheio usufruto, não procura engrandecer-se aperfeiçoando-a” [2]. Quem
visitava o Rio de Janeiro do começo do século XIX chocava-se com a indolência
dos cariocas. Os carpinteiros contratavam escravos para carregar suas
ferramentas.[3] Saint
Hilairie relata que os mecânicos possuíam as ferramentas mais necessárias e
quase nunca as matérias necessárias para seu ofício assim cabia ao cliente
fornecer o couro ao sapateiro, a linha ao alfaiate, madeira ao marceneiro,
adiantando o dinheiro necessário. [4] Numa ocasião Saint Hilaire ao chegar em São Paulo vindo de Goiás precisou
contratar um marceneiro para que lhe fizesse mais duas canastras, uma espécie
de mala. Mesmo pagando adiantado o marceneiro desistiu do serviço o que irritou
Saint Hilairie que respondeu rispidamente. O marceneiro, contudo, permaneceu
sem qualquer reação. Segudo Saint Hilairie: “os brasileiros dasclasses
inferiore costumam ouvir sorrindo as verdades mais mortificantes, quando ditas
por um superior, mantendo absolutamente inalterada a sua conduta”. A
questão somente pode ser resolvida pela contratação de um outro marceneiro pelo
governador da província.[5] Gilberto Freyre reporta que quando da construção da estrada de ferro Pedro II o
engenheiro civil James Wells em uma determinada ocasião decidiu arregaçar as
mangas da camisa para ensinar melhor um grupo de operários o modo de fabricar
tijolos. Os engenheiros brasileiros recém formados,seus assistentes, ao
presenciarem o fato imediatamente deixaram de se referir ao engenheiro inglês
como “Doutor”, pois “não compreendiam um
doutor de mangas arregaçadas, sujando as mãos de barro e metido entre operários
como se fosse um deles”.[6]
[1] FREYRE, Gilberto. Casa
Grande e Senzala, São Paulo:Global Ed., 2006, p. 215
[2]CUNHA, Luis Antonio. O ensino dos
ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata, São Paulo:
Unesp, 2005, p. 161.
[3] WILCKEN, Patrick.
Império à deriva: a Corte portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821, Rio de
Janeiro:Objetiva, 2010, p.262
[4] ABREU, Capistrano. Capítulos de História Colonial. São Paulo: PubliFolha, 2000, p. 240
[5] TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 300
Nenhum comentário:
Postar um comentário