sexta-feira, 2 de abril de 2021

Invenção na pré história ?

 

Jean Jacques Rousseau contesta que possamos falar em inovação ou progresso para o homem pré histórico “se por acaso fazia qualquer descoberta, era tanto menos capaz de a comunicar, quando nem  sequer reconhecia os próprios filhos. A arte perecia com seu inventor; não havia educação nem progresso; as gerações multiplicavam-se inutilmente e cada uma delas partia  sempre do mesmo ponto; os séculos desenrolavam-se com a rudeza das primeiras épocas, a espécie era já velha e o homem continuava sempre criança”.[1] Segundo José María Bermúdez de Castro, contudo, as primeiras pedras esculpidas por nossos antepassados remotos há 2,5 milhões de anos fazem parte do mesmo impulso para mudar o mundo com a tecnologia: “Pertencem a uma mesma inquietação da nossa espécie: a capacidade de criar. Há um momento inicial, que é quando começa a manipular a matéria prima. E a partir daí tudo foi uma cadeia consecutiva até chegar à atualidade, onde esse fenômeno se produz de forma exponencial. Isso é a cultura”.[2] De 1 milhão de anos a 250 mil anos a tecnologia de instrumentos de pedra continuou a progredir “no seu passo de tartaruga”. [3] Foi somente a 100 mil anos que o ritmo de inovação aumentou, processo que foi intensificado com o surgimento e aperfeiçoamento da linguagem humana: “da mesma forma como a produção de um conjunto padronizado de utensílios de pedra é indicadora de uma capacidade linguística, assim também o é a criação de objetos unicamente simbólicos. Entretanto, embora seja de certo modo concebível imaginar peças de complexos instrumentos de pedra sendo manufaturados por criaturas não verbais, é impossível que o simbolismo abstrato, tal como o vemos elaborado durante os últimos 30 mil anos pudesse surgir de um animal que não fala. Sem palavras com as quais lhes dar nomes, uma estatueta de cavalo, uma pintura de rocha ou a bandeira de uma nação nunca poderiam existir: elas não teriam significado”.[4] Para Christopher Dawson: “o fato de ser possível ensinar macacos a andar de bicicleta, dentre outras habilidades, mas de ser impossível ensiná-los a falar, sugere que é o uso da língua, e não o de ferramentas, a característica essencial da humanidade. A fala, e não a lança e a pá, é a força que cria a cultura humana”.[5] A capacidade de pensar analiticamente, de raciocinar abstratamente estimulou o desenvolvimento da oralidade seja para nomear os objetos concretos ou para expor sentimentos e emoções. O desenvolvimento social humano está diretamente relacionado com o desenvolvimento da linguagem.[6] Para Harry Hoijer: “o fato de ser revelado pela história das culturas humanas um desenvolvimento contínuo e cumulativo, que se estende desde os primórdios até o presente, significa evidentemente que o homem é possuidor da linguagem desde quando possui cultura”.[7] Keith Devlin mostra que a adoção da postura ereta levou a que os elementos de ligação da laringe na base da língua descessem até o pescoço criando uma forte angularidade entre o trato vocal e uma boca menor. Para evitar de respirar e engolir ao mesmo tempo o organismo desenvolveu um sofisticado mecanismo de oclusão velar, separando a cavidade nasal da cavidade oral de modo a parar de respirar por um período de meio segundo a quatro segundo para podermos engolir. Este mecanismo permitiu a articulação de uma grande variedade de consoantes e, portanto, nossa linguagem. [8]

[1] ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Lisboa: Presença, 1971, p.77

[2] https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-04-02/os-humanos-estao-ameacados-de-extincao.html

[3] LEAKEY, Richard; LEWIN, Roger. O povo do lago, Brasília:UNB, 1988, p.171

[4] LEAKEY, Richard; LEWIN, Roger. O povo do lago, Brasília:UNB, 1988, p.190, 194, 197

[5] RIGHI, Mauricio. Pré História & História, São Paulo:É Realizações, 2017, p. 314

[6] GONTIJO, Silvana. O mundo em comunicação, Rio de Janeiro:Aeroplano, 2001, p.16, 19

[7] SHAPIRO, Harry. Homem, cultura e sociedade, Lisboa: Fundo de Cultura, 1972, p. 240

[8] DEVLIN, Keith. O gene da matemática, São Paulo: Record, 2004, p. 204



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