O ritmo do trabalho escravo não era marcado por relógios que somente começam a ser mencionados na segunda metade do século XVIII. Para Stuart Schwartz essa “industrialização precoce” que representou a economia do açúcar é uma mostra que o escravismo não necessariamente é incompatível com tecnologia: “muitas das tarefas demandavam atenção e cuidado, e todo o processo poderia ser arruinado em muitas etapas por negligência ou sabotagem. Ademais o crescente emprego de cativos como técnicos ou artesãos e supervisores era algo oposto ao seu uso em um processo produtivo que os separava do resultado de seu trabalho. Tal contradição é subjacente à frequentemente citada incompatibilidade da tecnologia ou da industrialização com o escravismo”. Entre os artesãos são mencionados os especializados em carapina, ferreiro, calafate e faleiro.[1] Carapinas trabalham com a seleção e corte de madeira nos matos e no seu desbaste mais grosseiro para que possam ser trabalhadas pelos carpinteiros[2]. Nos ofícios artesanais eram encontrados indivíduos livres, libertos e cativos, sejam brancos, pardos ou negros, sendo no século XVII crescente a participação de negros e mulatos livres como artesãos[3], o que revela o trabalho como meio de ascensão social: “o status ocupacional proporcionava aos que não eram brancos um meio de ascender socialmente, além de remunerações muito superiores ás que poderiam esperar receber como trabalhadores sem especialização; ainda assim , as graduações de raça e cor e os preconceitos a ela associados não eram totalmente ignorados”.[4] Spix e Martius assinalam que conheceram no Rio de Janeiro “entre os naturais, são os mulatos que manifestaram maior capacidade e diligência para as artes mecânicas; até se nota entre eles extraordinário talento para a pintura”.[5] João José Res mostra como o trabalho realizado pelos negros nagôs na Bahia no século XIX nos chamados “cantos de trabalho” nas ruas da cidade trabalhando como autônomos (artesãos, lavadeiras, alfaiates, vendedores ambulantes, aguadeiros, barbeiros, artistas, pedreiros, carpinteiros, carregadores de carga e de cadeira de arruar), como “escravos de ganho” constitui um locus importante para o redimensionamento das identidades africanas e criação de novos laços de solidariedade.[6] Katia Mattoso registra que na população livre de Salvador do século XIX de um grupo de 395 pessoas um total de 25 era formada de ex escravos africanos, do quais apenas quatro não tinham seus próprios escravos, sendo que, a pesquisa mostra que todos os artesãos da amostra tinham escravos. Segundo James Wetherell para estes pequenos proprietários a posse e o uso de escravos era o único meio de sua subsistência. Para João José Reis os negros na Bahia mantinham suas raízes africanas onde a escravidão era uma instituição presente.[7]
[1] SCHWARTZ, Stuart.
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia
das Letras, 1988, p. 69
[2] MENESES, José Newton.
Os alambiques, a técnica da produção da cachaça e seu comércio na América
portuguesa. In: BORGES, Maria Eliza. Inovações, coleções, museus. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p.137
[3] SCHWARTZ, Stuart.
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia
das Letras, 1988, p. 261, 273
[4 SCHWARTZ, Stuart.
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia
das Letras, 1988, p. 268
[5] LIMA, Heitor Ferreira,
Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de
Cultura, 1961, p. 266
[6] REIS,
João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835,
São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 351, 386
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