sábado, 20 de fevereiro de 2021

Os impactos do Alvará de 1785

 

Para Jorge Caldeira o Alvará de 1785 ao proibir fábrica na colônia, foi uma tentativa de retomar o controle da economia brasileira nos modelos do mercantilismo, mas que já mostrava que a colônia brasileira já assumia uma dinâmica própria de seu mercado interno [1]: “a concentração de fortunas em torno de traficantes e não dos donos de plantations indica uma possibilidade de organização da sociedade diferente da esperada em uma economia agrário exportadora”.[2] Entre 1796 e 1807 a exportações brasileiras correspondiam a 83% do total das exportações de todas as colônias portuguesas para a metrópole. João Lucio de Azevedo estima que 90% das exportações portuguesas de tecidos direcionavam-se ao Brasil.[3] O Brasil era responsável por 78% dos produtos enviados por Portugal à suas colônias, ou seja, a economia brasileira era maior do que aa da metrópole, a balança comercial de Portugal com o Brasil era cronicamente deficitária de modo que a transferência de ganhos se dava no modo inverso ao que preconiza a doutrina mercantilista, pois os recursos eram drenados para a colônia e não o contrário. Segundo Jorge Caldeira sobre o período colonial: “parte do crescimento da economia brasileira pode ser explicado pela aplicação interna de recursos que antes seguiam para a metrópole como imposto”.[4] Em História da Riqueza  no Brasil Jorge Caldeira é ainda mais assertivo: “os números que os econometristas foram encontrando apontam na direção oposta à documentação tradicional. Atualmente e consenso que a economia colonial era, no final do século XVIII, muito maior que aquela da metrópole”.[5] Garcia d’Avila (1529-1609), por exemplo, o homem mais rico de Salvador no século XVI, grande latifundiário, acumulou sua riqueza com vendas de farinha, algodão e comércio de índios.[6] Jorge Caldeira o cita como exemplo de empreendedor típico da época, contudo, não leva em conta o fato dele ser provavelmente filho bastardo [7] de Tomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil. No livro O Feudo Luiz Alberto Muniz argumenta que a Casa da Torre como era conhecida a casa dos Garcia D’Avila tornou-se a expressão do latifúndio e do poder político, econômico e militar da região tendo poderes de Estado e grande responsável pelo desbravamento do interior nordestino através da pecuária. Os Ávila, senhores da Casa da Torre em Tatuapava na Bahia dominanvam a margem esquerda do rio Sâo Francisco ao passo que os herdeiros de Antonio Guedes de Brito (1627-1692), senhores da Casa da Ponte dominavam a ribeira oposta até o rio das Velhas [8]. Em 1630 em Santa de Parnaíba, o capitão mor Guilherme Pompeu de Almeida comprou uma mina de ferro abandonada e montou uma pequena oficina que na segunda metade do século já expandira para uma grande manufatura com cinco oficinas especializadas empregando pelos menos 200 artesãos.[9] Wilson Martins mostra que mesmo com o impacto negativo na economia o florescimento cultural na colônia prosseguiu. Afonso Arinos de Melo Franco aponta na arquitetura a construção da igreja matriz de Caeté, as igrejas de S. Francisco e Carmo em Ouro Preto, Sabará, São João del Rei e Diamantina, as pinturas de mestre Ataíde em Mariana, ou os profetas de Antonio Francisco Lisboa em Congonhas do campo, todas criações na época que se seguiu de decadência econômica.[10]



[1] CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 266

[2] CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 264

[3] LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 159

[4] CALDEIRA, Jorge. A nação mercantilista, São Paulo:Ed. 34, 1999, p. 264

[5] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.12

[6] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.78

[7]  GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.125

[8] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 108

[9] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.113, 117

[10] MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p. 521


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