sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O olhar de estrangeiros sobre o Brasil do século XIX

 

O missionário metodista norte americano Kidder (Brazil and the brazilians, London, 1857, na foto) ao visitar Salvador em 1840 denominou como singular o fato de importante cidade ainda se utilizar do transporte de palanquins e transporte da elite aos ombros de escravos. Nem mesmo o uso de tração animal era utilizada, quando nas cidades mais importantes europeias já se encontrava em uso os chamados “cavalos de ferro” com tração por máquina a vapor [1] Kidder observa que a elite se ocupava de profissões liberais: “qualquer coisa assim do gênero de um grande mecânico ou comerciante, creio que nunca se viu” [2]. O cônsul geral da Inglaterra no Rio de Janeiro Henry Chamberlain em 1823 se refere a presença da escravidão no cotidiano da cidade: “acostumados a não fazer nada, a ver só os negros trabalharem, os brasileiros em geral estão convencidos de que os escravos são necessários como animais de carga, sem os quais os brancos não poderiam viver”.[3] Quando da independência do Brasil José Bonifácio contratou o almirante inglês Thomas Cochrane para comandar a marinha brasileira valendo-se de sua experiência nas batalhas de independência do Chile e do Peru. Ao visitar os navios recém construídos o Almirante inglês logo pode observar que os marinheiros, portugueses ou brasileiros eram tão “fidalgos” que não limavam seus próprios beliches, usando criados para tal serviço, numa demonstração do preconceito contra o trabalho por parte dos homens livres.[4] James Fletcher que esteve no Brasil por várias vezes entre 1851 e 1869 admirava não somente os atributos geográficos e as riquezas naturais do país mas a tecnologia ao elogiar o sistema de placas que direcionavam o trânsito nas ruas estreitas do Rio de Janeiro assim como a iluminação pública acesa todas as noites enquanto que nos Estados Unidos muitas cidades desligavam a as luzes das ruas nas noites de lua cheia.[5]  O mineralogista inglês John Mawe que esteve em Minas Gerais em 1809 depois de observar o funcionamento de monjolos de engenhos de açúcar, impressionado por sua eficiência denominou-os de sloth (preguiça) uma vez que o aparelho sendo impelido pela roda d’água, dispensava o trabalho humano, estimulando a ociosidade[6]. Quando em visita a uma fazenda em Mariana John Mawe demonstrou como fabricar manteiga pode observar “o pessoal da fazenda parecia muito satisfeito com o bom êxito da operação, mas tenho fortes dúvidas de que a adotassem depois de minha partida, porque são inimigos do trabalho e dos cuidados que ela exige”.[7] Em visita a uma outra fazenda no Rio Pardo pode observar que a senhora da casa interessou-se pela experiência, ela mesmo executando os trabalhos “raro exemplo de atividade e boa vontade!”. John Mawe irá encontrar nas mulheres a exceção à regra geral de um povo contrário à inovação: “fiquei firmemente convencido de que, se as brasileiras recebessem educação melhor, sobretudo no que se refere à economia doméstica, e estivessem habilitadas a ver tudo quanto diz respeito ao lar administrado com ordem e regularidade, se tornariam úteis à sociedade. Na verdade, constantemente observei nelas essa louvável curiosidade e esse desejo de instrução, que se pode chamar o primeiro passo para o aperfeiçoamento”.[8]



[1]FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. São Paulo: Ed. Record, 1998, p. 495.

[2] RODRIGUES, José Honório. As aspirações nacionais. São Paulo: Fulgor, 1963, p. 48

[3] GOMES, Laurentino. 1822, Rio de Janeiro:Globo Livros, 2015, p.250

[4] FIORE, Elizabeth. Presença britânica no Brasil (1808-1914). São Paulo:Pau Brasil, 1987, p. 66

[5] CECILIA, Ana; MARTINS, Impellizieri; SOHACZEWSKI, Monique. As descobertas do Brasil, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014, p.110

[6] MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 104; RODRIGUES.op. cit. p. 125.

[7] MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 135

[8] MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 162



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...