domingo, 14 de fevereiro de 2021

A valorização do trabalho no Brasil do século XIX

 

Pedro Telles mostra que com o avanço das ferrovias após 1860 há uma valorização do trabalho livre, das artes mecânicas e da própria profissão de engenheiro.[1] O engenheiro Francisco Picanço em matéria no jornal Imprensa Fluminenses de 21 de maio de 1888 afirma que a estrada de ferro foi “a força material que mais cooperou para o desaparecimento da escravidão no Brasil” na medida em que permitiu a lavoura prosperar substituindo a escravidão pelo trabalho livre.[2] Para Gilberto Freyre: “a construção e o funcionamento de estradas de ferro no Brasil vieram modificar as condições de trabalho no sentido de sua democratização e de sua dignificação, por um lado, e, por outro, de sua maior eficiência ou do seu maior rendimento. Viera contribuir para a quebra das condições feudais e escravocratas de trabalho manual e de campo até então dominantes entre nós. Concorreram para provocar uma legislação social de sentido, senão democraticamente socialista, protetor da dignidade humana do trabalhador tanto de escritório como de oficina e até de campo”.[3] A presença de negociantes britânicos importadores de tecido, ferro, vidro, chá, máquinas e instrumentos contribui igualmente para valorização do mecânico e do comerciante [4]. Legislação de 1831 do Regente Feijó e 1852 concedia garantias aos capitais ingleses para construção de estradas de ferro proibindo que para tal fim fosse usada mão de obra escrava.[5] Maria Petrone, analisa os impactos da imigração: “a valorização do trabalho tem que ser destacada já que ocupa lugar central na ideologia do imigrante. Com exemplos daqueles que tiveram sucesso na roça ou na indústria, procurou-se ressaltar a importância do trabalho manual”.[6] Sérgio Buarque de Holanda argumenta que com a imigração em geral, e em São Paulo especialmente com os italianos, há uma reabilitação do trabalho manual e da terra que deixa de ser percebida como tarefas de escravo na medida em que o trabalho do colono assalariado opera como meio de ascensão social de tais colonos: “a dignificação das atividades braçais ocorre, durante a segunda metade do século dezenove, em concomitância com o abolicionismo, e a imigração, a modernização da cafeicultura e o primeiro surto de criação das unidades fabris. É o processo ideológico através do qual se rompe, ao mesmo tempo, a contradição entre a mercadoria e o escravo, entre o princípio da igualdade e da liberdade e a escravidão” [7]



[1] TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX, Rio de Janeiro:Clube de Engenharia, 1994, p.275, 276

[2] FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil, São Paulo:TopBooks, 2000, p.117

[3] FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil, São Paulo:TopBooks, 2000, p.133, 275

[4] FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil, São Paulo:TopBooks, 2000, p.143

[5] LUZ, Madel. As instituições médicas no Brasil: instituição e estratégias de hegemonia. São Paulo:Graal, 1986, p. 56

[6] PETRONE, Maria Thereza Schorer. O imigrante e a pequena propriedade, São Paulo: Brasiliense, Coleção Tudo é história, v.38, p. 81

[7] HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil monárquico: reações e transações, t.II, v.3, São Paulo:Difusão Europeia, 1967, p.296, 314, 319



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