quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

A invenção como contestação da autoridade

O vocábulo invenção deriva de inventio, com o sentido de descobrimento, descoberta e talvez justamente por este motivo, desde longa data encontramos as duas palavras empregadas como sinônimas [1]. Mario Biagioli destaca que o verbo em latim invenire [2] tanto significa “achar” como “criar”, de modo que em sua versão medieval patentes eram tanto concedidas para aquele que realizasse a invenção na prática em determinado local [3]. A inventio é uma das partes da retórica.[4] Segundo Cícero em sua primeira obra de retórica De invencione: “a invenção é o exame aprofundado de coisas verdadeiras ou de coisas verossímeis para tornar uma causa plausíivel”. Para Isidoro de Sevilha que escreve no século VII o termo inventor significa alguém talentoso (ingeniosus), alguém que tem um poder interior (intus) de produzir (genitus) qualquer tipo de arte, descobridor (inventor) porque ele cria (invenirein venire – ir ao encontro de algo) o que está procurando. Assim a coisa procurada é chamada de invenção (inventio).[5] A João Scotus Erigena (810-870) (na figura) no século IX (não confundir com João Duns Escoto do século XIII) se deve a expressão “artes mecânicas” documentada em seu comentário à obra de Marciano Capela que consagrou no século IV a divisão das artes liberais no trivium (lógica, gramática e dialética).[6] Para Johannes Scotus Erigena: “a autoridade, às vezes procede da razão, mas a razão nunca vem da autoridade. Pois toda a autoridade que não for aprovada pela verdadeira razão, é fraca. Mas a verdadeira razão, já que repousa na sua própria força, não necessita do reforço de qualquer autoridade”. Para Will Durant: “eis aqui a idade da razão movendo-se no ventre da idade da fé”.[7]


[1]DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 29.

[2] Cf. POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.110

[3] BIAGIOLI, Mario. From print to patents: living on instruments in early modern Europe. Hist. Sci., xliv, 2006, p. 151 http://innovation.ucdavis.edu/people/publications/Biagioli%202006%20From%20Print%20to%20Patents.pdf

[4] YATES, Frances. A arte da memória. São Paulo:Unicamp, 2007, p.21,25

[5] Isidore de Seville p.220.X The Etymologies, Book X, Vocabulary (De vocabulis)

[6] PASQUALE, Giovannni Di. A reflexão sobre as artes mecânicas. In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.460; JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 127; NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.88, 169; GIES, Frances & Joseph. Cathedral, forge and waterwheel, New York: Harper Collins, 1994, p. 11

[7] DURANT, Will. História da Civilização, A idade da fé, tomo II, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1957, p.272 




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