sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Refino do açúcar no Brasil colonial

 

Ruy Gama observa que enquanto a colônia se ocupa da atividade de fabricação, o refino do açúcar é realizado na Europa baseada no trabalho livre, familiar e artesanal, com as técnicas envolvidas mantidas em segredo pelas corporações de ofícios. João Peixoto Vargas chegou a sugerir investimentos em refino, no auge da crise de 1687.[1] A maior parte do açúcar brasileiro era refinado em Amsterdã onde haviam 25 refinarias em 1621,[2] sem que o custo do refino atingia a terça parte do produto final.[3] Em 1759 Pombal autorizou a instalação da primeira refinaria de açúcar em Portugal. [4] Segundo Stanley e Barbara Stein: “a atividade da agricultura de plantação brasileira, caracterizada pela monocultura, trabalho escravo e produção voltada para a exportação, deve ser entendida a partir de suas vinculações aos centros europeus ocidentais. O engenho de açúcar, em realidade, era apenas mais um outro subsetor da economia europeia (em especial da holandesa). Aos portugueses incumbia o papel de meros intermediários encarregados da reexportação do açúcar brasileiro, frequentemente transportado por navios holandeses, processado em refinarias holandesas e comercializado nas regiões do norte, centro e leste da Europa por negociantes holandeses”.[5] O açúcar devia ser fabricado no local das plantações, não sendo possível a exportação da cana sob risco de azedar na viagem, ou seja, foi por uma mera contingência técnica a principal razão das atividades de engenho e o desenvolvimento de técnicas na sua produção se fez na colônia.[6] Se a Metrópole abdicava de uma política de desenvolvimento manufatureiro a Colônia não seguia caminho muito diverso. O reino proibiu o funcionamento de refinarias de açúcar em 1715 conforme Carta Régia ordenada ao governador da Capitania de Minas Gerais, Brás Baltazar da Silveira uma vez que os engenhos de cana da região ocupavam um grande número de negros que deveriam de preferência ser recrutados na extração do ouro para atender aos interesses da Metrópole [7]. Lilia Schwartz observa que no Brasil colonial não haviam refinarias, tanto no Brasil com em Portugal, ficando a manufatura final do açúcar por conta dos holandeses. O açúcar aqui produzido era do tipo “barreado”, não refinado que se denomina “pardo” ou “mascavado”. [8] A descoberta de zonas auríferas no início do século XVIII riria contribuir para encarecer a mão de obra escrava e agravar a crise açucareira. Duhamel DuMonceau, enciclopedista ao publicar L´art de raffiner le sucre em 1764 irá começar a romper com tais segredos de ofícios ao revelar as técnicas de refino do açúcar.[9] Von Lippmann mostra que no Nordeste ocupado pelos holandeses de 1629 a 1651 cerca de dois terços do açúcar exportado era do tipo branco e o restante mascavado. Antonil no século XVIII menciona percentuais similares [10]. Carlos Valeriano de Cerqueira no Histórico da cultura da cana na Bahia de 1778 a 1789 aponta que persiste a relação de 2/3 em favor do açúcar branco.[11] No século XIX contudo, a grande maioria dos produtores pernambucanos exportavam o açúcar mascavado bruto o que significava um preço de 25% a 33% abaixo do pago para o açúcar refinado branco, bem como pagar pelo transporte de impurezas.

[1]SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 165

[2]STEIN, Stanley; STEIN, Barbara. A herança colonial da América Latina, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1977, p.27; COSTA, Marcos. O livro obscuro do descobrimento do Brasi, Rio de Janeiro:Leya, 2019, p. 304

[3]AQUINO, Fernando, Gilberto, Hiran. Sociedade brasileira: uma história, São Paulo: Record, 2000, p.134

[4]ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 130

[5]STEIN, Stanley; STEIN, Barbara. A herança colonial da América Latina, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1977, p.40, 41

[6]CAMPOS, Raymundo. Grandezas do Brasil no tempo de Antonil, São Paulo:Atual Editora, 1996, p. 19

[7]RODRIGUES, Clóvis.op. cit.p. 54.

[8]SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia, São Paulo:Cia das Letras, 2015, p.75; BARSA PLANETA, História do Brasil: primeiros povos brasileiros, descobrimento e colonização, 2009, v.1, p. 267

[9]GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.58, 163, 247

[10]LIMA, Heitor Ferreira, Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de Cultura, 1961, p. 105

[11]GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.313



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Doação de Constantino

  Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino ( Constitutum Donatio Constantini ) ao ...