segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O valor do trabalho para os monges medievais

 

Uma gravura em metal do Vita et miracula santissimi Patris Benedict de 1579 mostra São Bento no campo trabalhando junto com outros monges.[1] Para Pietro Corsi a regra beneditina teve consequências importantes na constituição de ricas bibliotecas e no aperfeiçoamento das técnicas metalúrgicas.[2] São João Crisóstomo exclamou no final do século IV “felizes aqueles que ganham seu sustento com suas mãos” [3]. O monge beneditino alemão Teófilo escreveu um famoso tratado de tecnologia De Diversis Artibus em 1122, em que descreve técnicas de ornamentação de igrejas, na iluminura, afrescos, vitrais, metalurgia e ourivesaria [4], embora ainda a descreva como uma arte a serviço de Deus.[5] Entre as fórmulas mencionadas encontram-se algumas misturas alquímicas para composição de ouro que incluem cobre, pó de basilisco, sangue humano e ácido. O livro escrito em latim era inacessível ao homem do campo[6]. Teófilo escreve “para auxiliar muitos homens em suas necessidades”.[7] Os escritores leigos Yves de Chartres e John de Salisbury no século XII escreveram sob influência do movimento monástico que todo o trabalho enobrece o homem e agrada a Deus. [8] Eastorwine ao fazer um comentário sobre o monge Beda no século VIII comenta que “Ele continuou tão humilde e parecido com os demais irmãos que se comprazia em debulhar e peneirar cereais e ordenhar ovelhas e vacas, no preparo de pães, na cozinha e em todas as demais atividades no mosteiro. Muitas vezes, quando saía a negócios pelo mosteiro, bastava encontrar irmãos trabalhando para juntar-se a eles e trabalhar também, tomando em mãos o arado ou brandindo o martelo de ferreiro”.[9] Georges Duby mostra que a teologia católica ao combater a heresia cátara o cântico fransciscano das criaturas reabilita a matéria e o valor do trabalho manual na moral católica: “celebrando Deus no seu ato criador, os teólogos inscreveram em pleno centro da arte das catedrais a imagem reconciliada do universo visível”.[10]

[1]SOUZA, Jorge Vitor. Para além do claustro: uma história social da inserção beneditina na américa portuguesa, 1580-1690, Rio de Janeorp, UFF, 2014, p. 208

[2]CORSI, Pietro. Ciência e tecnologia: introdução In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.400

[3]BONILLA, Luis. Breve historia de la técnica y del trabajo, Madrid:Ed. Istmo,1975, p.142

[4]CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 343

[5]WHITE, LYNN. Medieval religion and technology, UCLA, 1978, p.322; DAVIDE, Diego. Manufatura e corporações. In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.270; LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 185, 206; GOFF, Jacques. Trabalho. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 628

[6]FOSSIER, Robert. O trabalho na idade média. Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 85

[7]LONG, Pamela. Invention, Authorship, Intellectual Property, and the Origin of Patents: Notes toward a Conceptual History, Technology and Culture, v.32, n.4, Special Issue: Patents and invention, october 1991, p.868

[8]MOKYR, Joel. The lever of riches: technological creativity and economic progress, New York:Oxford University Press, 1990, p.204

[9]DONKIN, Richard. Sangue, suor e lágrimas, Sâo Paulo:Macron Books,2003, p. 37

[10]DUBY, Georges. O tempo das catedrais: a arte e a sociedade, Lisboa:Estampa Editorial, 1978, p.149, 152



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