quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O uso de anagramas e o ideal de difusão da ciência no século XVII

 

Uma forma encontrada por cientistas de protegerem suas descobertas era com uso de anagramas, permitindo sua transmissão apenas para aqueles que conhecessem a forma de decodificar tais informações, mantendo a primazia da descoberta. Roger Bacon no século XIII filósofo e autor de diversos trabalhos em óptica com telescópios [1] afirmava que nenhum cientista deveria registrar suas descobertas em texto ostensiva, mas ao invés disso deveria recorrer à escrita oculta. Para composição da pólvora Bacon usou de um anagrama que uma vez decifrado revelaria as proporções de sete partes de salitre, cinco de carvão e cinco de enxofre. Seu enigma permaneceu sem solução por 650 anos até ser resolvido por um coronel do exército britânico.[2] A prática de proteger suas conclusões científicas por meio de anagramas era muito comum mesmo para alguns dos precursores da revolução científica do século XVII. Robert Hooke (1635-1703) manteve o sigilo de seus trabalhos sobre as leis de elasticidade por meio de um anagrama; CEIIINOSSSTUUV o qual decifrado significava UT TENSIO SIC VIS (conforme a tensão, tal força) [3]. Gallileu Galileu (1564-1642) usou uma cifra para comunicar a Kepler sua descoberta dos anéis de Saturno, SMAISMRMILMEPOETALEUMIBUNENUGITTAUIRAS que decifrada significava: altissimum planetam tergeminum observavi: “observei que o planeta mais distante tem forma tripla” mas que foi incorretamente decifrada como “salve companheiros gêmeos, filhos de marte” levando a concepção errônea de que Saturno possuía duas luas. [4] Quando Galileu descobriu as fases de Vênus, escreveu mais um anagrama: Haec immatura a me iam frusta legantur o y. Kepler tentou decifrá-lo, sem êxito. Isso o levou a escrever uma carta a Galileu: “Suplico-vos não nos esconder por muito tempo a solução. Deveis saber que estais tratando alemães honrados ... lembrai-vos do embaraço que me provoca o vosso silêncio”. Galileu revelou a solução desse anagrama a Giuliano de Medici, Embaixador da Toscana junto ao Sacro Império Romano, em Praga: Cynthiae figuras aemulatur mater amorum, ou seja: A mãe do amor (Vênus) emula as formas de Cíntia (Lua). Christiaan Huygens (1629-1695) também se utilizou no século na sua obra De Saturni luna observatio nova de 1656 de um anagrama para garantir a prioridade sobre sua descoberta dos anéis em Saturno: AAAAAA CCCCC D EEEEE G H IIIIIII LLLL MM NNNNNNNNN OOOO PP Q RR S TTTTT UUUUU cuja solução é Annulo cingitur, tenui, plano, nusquam cohaerente, ad eclipticam inclinato (É cercado por um anel fino e liso, em que nenhuma parte se toca, e inclinada em relação à elíptica).[5]



[1]SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.92

[2] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.85

[3] http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Hooke

[4] KING, Ross. O domo de Brunelleschi: como um gênio da Renascença reinventou a arquitetura, Rio de Janeiro:Record, 2013, p.42

[5] BURKE, Peter. O polímata, São Paulo: Cia das Letras, 2020, p. 123; TATON, René. A ciência moderna: o século XVII, tomo II, v.2, São Paulo:Difusão, 1960, p.108; http://carlkop.home.xs4all.nl/huyglens.html

http://www.sil.si.edu/DigitalCollections/HST/Huygens/huygens-introduction.htm

SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.278


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