Santo Agostinho no século IV já valorizava as virtudes do trabalho humano “industria humana”, ao invés de ser visto como uma punição pela queda do homem no Éden. Na obra De opere Monachorum, Agostinho impõe aos seus monges o preceito do trabalho [1]. Agostinho, contudo, destaca o papel meramente operacional de tais artes mecânicas, como instrumentos para ação divina, de modo que basta um conhecimento perfunctório de tais técnicas “a não ser que o dever nos obrigue ainda mais”.[2] Agostinho argumenta em Enchridion que o cristão não precisa ficar desolado por ser ignorante em ciência [3]: “Quando nos perguntam em que acreditamos em matéria de religião, não é necessário provar a natureza das coisas, como foi feito por aqueles a quem os gregos chama de físico, nem precisamos ficar alarmados pelo fato de os cristão ignorarem a força e o número dos elementos, o movimento, a ordem, os eclipses dos corpos celestes, a forma do ceu, as espécies e a natureza dos animais, plantas, pedras, fontes, rios, montanhas; a cronologia e as distâncias; os sinais de tempestades vindouras e milhares de outras coisas que esses filósofos ou descobriram ou pensaram que tinham descoberto [...] É suficiente que os cristão acreditem que a única causa de todas as coisas criadas, sejam celestes ou terrenas, visíveis ou invisíveis , é a bondade do Criador, o único Deus verdadeiro. Nada existe, a a não ser ele próprio”.[4] Para Agostinho "Crede ut intellegas, intellege ut credas", ou seja: "Crê para que a fé ajude o intelecto a entender; entender, para que o intelecto procure a fé" (De Lib. Arb. II, 2, 6).[5] No Comentário literal ao Genesis Agostinho se utiliza por diversas vezes de argumentos da filosofia natural ao tratar de raios, fases da lua, o que mostra que entendia a ciência de sua época à serviço da fé. Em Confissões ele descarta o interesse gratuito pela ciência desconectado de um objetivo teológico, tal conhecimento guiado pela busca de novos conhecimentos desvia o home da fé e deve ser repudiado: “por causa desta doença da curiosidade homens passam a investigar o fenômeno da natureza apesar deste conhecimento não ser de nenhum valor para eles, pois desejam conhecer simplesmente pelo conhecimento”.[6] Agostinho critica a curiosidade vã “com a desculpa de ser por causa da compreensão e do conhecimento” (vana et curiosa cupiditas nomine cognitionis et scientiae palliata). Em De vera religione, Agostinho destaca a alegria pelo conhecimento (rerum cognitione laetitia) se referindo a questões relacionadas a fé.[7]
[1]NUNES, Ruy Afonso da
Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.129
[2]NUNES, Ruy Afonso da
Costa. História da educação na antiguidade cristã, São Paulo:Edusp, 1978, p.
209
[3]LINDBERG, David. Mito 1: que a ascenção do cristianismo foi responsável pelo
fim da ciência antiga. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e
outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil,
2020, p. 32
[4]CURY, Fernanda.
Copérnico e a revolução da astronomia, São Paulo:Odysseus, 2003, p. 79
[5]Costa,
M. R. N. (1998). CONHECIMENTO, CIÊNCIA E VERDADE EM SANTO AGOSTINHO. Veritas
,Porto Alegre, 43(3), p.483-496.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/35423/18582
[6]LINDBERG, David. Mito 1: que a ascenção do cristianismo foi responsável pelo
fim da ciência antiga. In: NUMBERS, Ronald. Terra plana, Galileu na prisão e
outros mitos sobre a ciência e religião, Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil,
2020, p. 33; BURKE, Peter, O polímata, São Paulo: Cia das Letras, 2020, p.24
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