domingo, 31 de janeiro de 2021

Enciclopédia francesa e o conhecimento dos artesãos

 

Paul Hazard sugere a hipótese de que a Enciclopédia francesa foi um trabalho da maçonaria, onde muitos mantinham zelosamente seus segredos profissionais[1]. A Enciclopédia, nesse sentido, representou uma quebra de paradigma ao dar visibilidade a tais conhecimentos. As pranchas da Enciclopédia contribuíram para codificação de conhecimento tácito antes de domínio exclusivo dos artesãos [2]. Para o verbete sobre agricultura na Enciclopédia, Diderot consultou o fazendeiro inglês Jethro Tull [3]. O próprio Diderot era filho de artesão [4]. Ao defender uma pesquisa científica capaz de aplicações práticas, os enciclopedistas, reconhecendo as informações dos artesãos franceses “anotando o que eles diziam”, segundo Paolo Rossi, colocavam-se como “continuadores da reforma iniciada por Francis Bacon”. [5] Para Paolo Rossi o conhecimento dos técnicos artesãos é resgatado por Francis Bacon: “os métodos, os procedimentos, operações e linguagens das artes mecânicas haviam se afirmado e aperfeiçoado fora do mundo da ciência oficial, num mundo de engenheiros, arquitetos, artesãos qualificados, construtores de máquinas e equipamentos. Esses métodos, procedimentos e linguagens agora devem se tornar objeto de consideração, reflexão e estudo”.[6] Diderot lista um total de 250 tipos profissões de artesãos o que demonstra a especialização progressiva da técnica.[7] As enciclopédias de Heinrich Alsted [8] e Zara também destacam o papel das artes mecânicas [9]. A enciclopédia de Diderot causou escândalo aos jesuítas diante da ênfase ao conhecimento técnico. O Dictionnaire français de Pierre Richelet em sua primeira edição de 1680 já exprimia este desprezo às artes técnicas ao definir o verbete “mecánique” como “contrário ao que é liberal e honroso, tem o sentido baixo, grosseiro, pouco digno de uma pessoa honesta”.[10]



[1] MOUSNIER, Roland; LABROUSSE, Ernest. História Geral das Civilizações: o século XVIII: o último século do Antigo Regime, tomo V, v.1, São Paulo:Difusão Europeia, 1968, p.89

[2] BELFANTI, Carlo Marco. Guilds, patents, and the circulation of technical knowledge. Technology and Culture, v.45, julho 2004, p.584

[3] BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.138

[4] BURKE, Peter. O polímata, São Paulo: Cia das Letras, 2020, p. 149

[5] ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.126

[6] ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 103

[7] BRAUDEL, Fernand. Civilização material e capitalismo, séculos XV-XVIII, Rio de Janeiro:Cosmos, 1970, p.358

[8] ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 108

[9] BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.108

[10] ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 29



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