quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Inovação da indústria do açúcar no Brasil colonial

 

Para Ruy Gama a estagnação dos engenhos é muito mais consequência de um divisão internacional do trabalho do que devido a condições geográficas ou inabilidade dos portugueses no exercício da técnica: “a divisão do trabalho no fabrico do açúcar, parcelando-o em tarefas simples e repetitivas antecedeu em mais de um século à introdução da primeira máquina especificamente açucareira, a moenda de entrosas” e a posição do escravo nesse processo constitui um “modelo para o operário moderno” antecipando o processo de alienação do trabalho que Marx iria constatar no século XIX: “poderia até parecer que esses autores do século passado tinham conhecido os engenhos de açúcar...”. [1] John Mawe visitou em Cantagalo um engenho de açúcar e destilaria em que perguntou ao senhor de engenho sobre os processos usados para aquecer as caldeiras e alambiques e relata que: “quando o interroguei sobre o processo, o proprietário confessou-me sua ignorância e chamou um dos negros para me informar. Ponderei a este homem ser excessiva a quantidade de combustível desperdiçada e propus novo método para poupá-lo, assim como para melhorar o gasto desagradável da aguardente, causado pelo ácido pirolenhoso; ela deveria ser redestilada com igual quantidade de água, tomando-se o cuidado prévio de limpar o alambique; mas ele apenas soltou uma gargalhada como a dizer que este deveria ser certamente o melhor método, pois o aprendera com velho fabricante de açúcar. Assim, diante da indiferença dos proprietários em zelar pelos seus interesses, as coisas estão condenadas a seguir a mesma rotina, entregues à direção de homens que treme à perspectiva de temporário aumento de trabalho, mesmo quando se lhes promete lucro permanente. Esta aversão ao progresso observei com frequência em todos os habitantes do Brasil, quando por exemplo, interroguei um construtor, um fabricante de açúcar ou de sabão, ou mesmo um mineiro, quais as razões para orientar seus interesses de maneira tão imperfeita, indicavam-me, invariavelmente, um negro, a fim de responder às minhas perguntas”.[2] Saint Hilaire no século XIX escreve que quem quisesse conhecer o estágio de desenvolvimento da indústria do açúcar poderia consultar a obra de Piso e Marcgraff escrita em 1658.[3] Richard Graham destaca depoimento de um brasileiro em 1878 que denuncia que os processos de fabricação de açúcar são os mesmos usados há mais de dois séculos. Segundo o presidente da província de Pernambuco: “nosso açúcar só poderá competir, quando no seu fabrico se empregarem os memos instrumentos e aparelhos adotados nos países mais adiantados”[4].

[1] GAMA, Ruy. Engenho e tecnologia, São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.342

[2] MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. São Paulo: USP, 1978, p. 105

[3] BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.306

[4] GRAHAM, Richard. Grã Bretanha e o início da modernização no Brasil 1850-1914, Rio De Janeiro: Brasiliense, 1973, p. 155



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