terça-feira, 17 de novembro de 2020

Feudalismo em Portugal

 

Roberto Simonsen em História Econômica do Brasil publicado em 1937 criticou a tese de que o regime de capitanias hereditárias no Brasil pudesse ser entendido como um regime feudal, uma vez que este processo somente pode ser entendido como um elemento da expansão do sistema capitalista europeu [1]: “sob o ponto de vista econômico, que não deixa de ser básico em qualquer empreendimento colonial, não me parece razoável a assemelhação desse sistema ao feudalismo” enquanto que no sistema feudal não se busca o lucro, no sistema de donatarias a busca por fortuna pelos donatário é evidente, mesmo Portugal já não vivia sob regime feudal, seu objetivo na conquista de novas terras é enriquecer e fortalecer o Estado português. A Espanha foi conquistada pelos muçulmanos um século antes de Carlos Magno formar o feudalismo europeu, o que levou a inserção tardia de Portugal e Espanha ao movimento europeu. Em Portugal a reconquista do sul do Algarve em 1249 foi muito mais rápida do que o caso espanhol e levou a um reforço do poder real como os casa de Bragança[2]. Lemos Brito destaca que se no feudalismo a exploração do colono agrícola em regime de servidão era severa, em Portugal isso seria ainda mais rigoroso por conta do domínio árabe e com isso levou a uma inércia  e hostilidade do português à agricultura em tal período medieval. Fortunato de Almeida em História de Portugal escreve “a população portuguesa não era diligente nos trabalhos agrícolas”. Nicolau Clenardo destaca: “Se a agricultura alguma vez foi desprezada é de certo nos lugares que habito [Portugal]. O que em outra parte se reputa o nervo principal das nações, aqui olha-se como insignificante ou inútil” [3]. Para João Tierno: “No período inicial de nossa existência como nação, vimo-nos forçados a uma luta de mais de dois séculos para mantermos uma autonomia artificial, dificilmente explicável, e mal podíamos olhar para os interesses da agricultura. Consolidada a independência, apertados como estávamos entre o mar e um país forte e despeitado, estendidos ao comprido sobre uma estreita faixa de território quase todo árido e improdutivo, fomos fatalmente impelidos para esse oceano lendário e misterioso”. Segundo Roberto Simonsen: “os nossos historiadores [...] quando se referem a donatarismo o consideram como se estivesse diante de um regime feudal. o fato se explica pela falta de conhecimento das características da vida medieval que somente os recentes estudos da história econômica tem esclarecido suficientemente. Na verdade, Portugal, em 1500, já não vivia sob regime feudal”.[4] Esta perspectiva foi retomada na década de 1950 com Celso Furtado: “da mesma foram que os cavaleiros recebiam direitos de suserania sobre populações e terras reconquistadas, certos espanhóis que vinham para a América, com recursos próprios para explorar a região, recebiam populações inteiras de indígenas. Tratava-se de um favor pessoal, não era hereditário. Em 1570 de 23 mil famílias espanholas existentes na América, quatro mil possuíam encomendas. Os encomenderos formavam uma classe senhorial que exercia funções de direito público. Encarregavam-se da defesa, em nome do rei, e deviam a este um tributo. Se do ponto de vista institucional apresentava similitudes com o mundo feudal europeu, do ponto de vista econômico as diferenças eram notáveis. A exploração de mão de obra tinha como fim principal produzir um excedente que pudesse ser transferido para a metrópole. O motor da Conquista (a motivação básica dos conquistadores) era a extração desse excedente transferível, o que somente era possível mediante sua transformação em metais preciosos”.[5]



[1]Os portugueses na América: feitorias e capitanias hereditárias (Aula 3, parte 3) https://www.youtube.com/watch?v=OwWTHuerec8

[2]ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo, Porto: Afrontamento, 1982, p. 191

[3]BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a história econômica, Brasisilana v.155, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1980, p.5

[4]SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1979, p.102

[5]FURTADO, Celso. Economia do desenvolvimento. Curso ministrado na PUC SP em 1975, Rio de Janeiro:Contraponto, 2008, p. 67



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