sábado, 5 de setembro de 2020

Muiraquitãs

 

Walter Raleigh no século XVI se refere as amazonas como mulheres guerreiras que trocavam ouro por pedras de jade ou uma variedade de feldspato chamada de amazonita. Sua existência também é relatada na mesma época por Hernando de Rivera no Paraguai e por André Thévet, ou por Jean Mocquet em 1617[1]. Em 1735 o astrônomo Charles Marie de La Condamine em sua viagem ao longo do Amazonas para medição do arco meridiano descreve amuletos batraquianos em pedras verdes semelhantes ao jade: "há entre os Tapajós, mais facilmente do que alhures, as pedras verdes conhecidas com o nome de pedras das Amazonas, cuja origem é ignorada e que foram muito procuradas outrora, por causa das virtudes que lhes eram atribuídas na cura do cálculo e da eólica renais, bem como da epilepsia", também descritos por Spix e Martius como pierres divines em madrepérola e com nome de muiraquitã. Tratam-se de artefatos cuidadosamente esculpidos, em mineral ou rocha verde, normalmente jade nefrítico, que tinha um grande valor simbólico, usado para vários fins, mas principalmente como amuleto para prevenir doenças. Segundo a lenda mulheres amazonas que teriam atacado Orellana em 1541 retiravam os muiraquitãs de um lago chamado espelho da lua para presentear os homens que as visitavam anualmente.[2] De La Condamine as decreve em Voyage sur Amazone (1735-1745) e von Martius (1867) em Beitrãge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens. Os relatos de La Condamine que incluem a existência das lendárias amazonas causou alvoroço nos círculos intelectuais europeus o que fez Alexander von Humboldt comentar que talvez ele tenha defendido a existência das amazonas e seus exóticos costumes “para se aproveitar de uma generosa recepção numa sessão pública da Academia de Ciências e de sua ansiedade por ouvir coisas”.[3] Antropólogos e arqueólogos ainda não conseguiram entender como esses povos tapajós localizados nas proximidades de Santarém poderiam, com instrumentos rudimentares e improvisados, chegarem a produtos tão bem esculpidos, elaborados e polidos.[4] Para Barbosa Rodrigues, que escreve em 1875, estas peças, possivelmente usadas como pendentes em colares, tem origem asiática.[5] Josué Camargo Mendes observa que a tese de procedência asiática se desfez quando se descobriu a ocorrência de nefrita ou jadeíta na região.[6] Ladislau Neto atribui a etimologia a mira – nação, ki – chefe, itá – pedra, ou seja, “pedra do chefe da nação”. Uma das muitas lendas de sua origem atribui as pedras como presentes dados pelas amazonas aos homens com quem mantinham relações, o que explicaria seu formato sexual.[7] Humboldt descreve alguns destes amuletos entre habitantes das margens do rio Negro.[8] La Condamine estivera na América do Sul para realização de medições do arco meridiano e suas medidas confirmaram que a tese de Cassini de que a terra era achatada no equador estava errada prevalecendo as teses de Newton de que era achatada nos pólos.



[1]PRIORE, Maria del. Histórias da gente brasileira, V.1 Colônia, Rio de Janeiro:Leya, 2016, p. 50

[2]MENDES, Josué Camargo. Conheça a pré história brasileira, São Paulo: USP, Polígono, 1970, p. 101

[3]SAFIER, Neil. Relato de segunda mão. Revista de História da Biblioteca Nacional, n.57, junho de 2010, p. 64

[4]COSTA, Marcondes Lima da. Muyrakytã ou muiraquitã, um talismã arqueológico em jade procedente da Amazônia: uma revisão histórica e considerações antropogeológicas. Acta Amazonia, v.32, n.3, p.467-490, 2002; SOUTHEY, Robert. Historia do Brasil, v. II. Rio de Janeiro:Garnier, 1862, p. 455

[5]GALVÃO, Eduardo. Exposições de antropologia, Belém: Museu Goeldi, 19778, p. 30

[6]MENDES, Josué Camargo. Conheça a pré história brasileira, São Paulo: USP, Polígono, 1970, p. 102

[7]SANTOS, Yolanda Lhuillier dos. Convite à Ciência. São Paulo:Logos, 1965, p.136

[8]AIROLA, Jorge Magasich; BEER, Jean Marc. América mágica, Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000, p. 192



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