sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Ciclo sótico

 

Carroll Quigley observa que a previsão de enchentes do Nilo conferia prestígio e poder aos sacerdotes astrônomos: “a ignorância da maioria tornou fácil para os possuidores desse conhecimento especializado usá-lo como prova de que possuíam poderes sobrenaturais”. A irregularidade quanto a data de início da inundação (hapi)[1] fez com que os egípcios buscassem o nascer helíaco de Sírius como marcação do início da estação das cheias[2]. O intervalo de tempo entre dois Nilos era de 365 dias o que levou a criação de um calendário com o primeiro dia do mês de Thoth como o primeiro dia do ano novo[3], no início do verão, normalmente em torno do dia 19 de junho quando a estrela da deusa Sepdet (Sopdet, Sírius, grego Sothis) reaparecia ao amanhecer quando o nível do Nilo começava a crescer.[4] O nascer helíaco marca primeira aparição anual de um astro sobre o horizonte oriental e no Egito o nascer helíaco de Sírius marca o início da canícula, o período das secas.[5] Lubicz contesta que os egípcios pudessem identificar a inundação do Nilo pela saída da estrela Sírius junto ao Sol pois as estrelas não são visíveis ao dia, a única forma de determinar a aproximação de Sírius seria por cálculos baseados em observações astronômicas.[6] Charles Muses observa que o glifo usado para representar a estrela Sirius é o mesmo sinal que significa “estar preparado”, enquanto a palavra usada para estrela – sbz significa quando associado a um par de pernas, o mesmo que porta, passagem[7], ou seja, as estrelas eram vistas como aberturas para o mundo após a morte. O encantamento 821 dos textos das Pirãmides identifica o rei com Sirius: “Ó rei, tu és esta grande estrela, a companheira de Oron, a que atravessa o ceu com Orion”[8]. Depois de quatro anos (tetraeteris) a diferença acumulada entre o calendário fixo de 365 dias e o tempo real era de um dia de modo que Sothis não reaparecia no primeiro dia do ano do calendário de 365 dias, mas no dia seguinte, em quarenta anos essa diferença seria de dez dias, em 1460 anos (365 x 4 = 1460) essa diferença seria de um ano.[9] Este período de 1460 anos era conhecido como ciclo sótico ou ciclo de Sothis no Egito Antigo.[10] Os egípcios foram capazes de calcular que o início da estação cheia, o nascer do sol e o da estrela Sírius aconteceriam simultaneamente uma vez a cada 1460 anos.[11] A observação anual do atraso do nascer helíaco da estrela Sothis em relação ao calendário fez com que o ano egípcio correspondesse a 365,25 dias ou 365 dias e 6 horas muito próximo do valor 365 dias e 5 horas e 48 minutos.  Daniel Boorstin destaca que o calendário egípcio apesar de que cada mês atravessa todas as estações em um ciclo de 1460 anos era muito melhor do que qualquer outro conhecido à sua época e acabou sendo adotado pelos romanos quando Júlio Cesar adotou o calendário juliano, sendo ainda usado por Copérnico nas suas tábuas planetárias no século XVI.[12]



[1]JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 13

[2]TATON, René. A ciência antiga e medieval, São Paulo:Difusão, 1959, tomo I, v.I, p. 50

[3]STEVERS, Martin. A inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.557

[4]STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 91, 240; JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 36

[5]MOURÃO, Rogério. Dicionário de astronomia e aeronáutica, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.559

[6]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.114

[7]WEST, John Anthony. Em defesa da astrologia, São Paulo:Siciliano, 1992, p. 61, 420

[8]EDWARDS, J. As pirâmides do Egito, Rio de Janeiro:Record, 1985, p.253

[9]SARTON, George. Ancient Science Through the Golden Age of Greece, New York:Dover, 1980, p.29

[10]ALVAREZ, Lopez. O enigma das pirâmides, São Paulo:Hemus, 1978, p.117; ONCKEN, Guilherme. História Universal. História do Antigo Egito, v.I, Rio de Janeiro:Bertrand, p.108

[11]DEARY, Terry. Espantosos egípcios, São Paulo:Melhoramentos, 2004, p. 121

[12]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.21




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