quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Agricola

 

Pela teoria dos quatro elementos admitia-se que a água longamente aquecida num vaso se convertia parcialmente em terra. Em 1768 Lavoisier após experimentos cuidadosamente realizados e por meio de pesagens precisas conseguiu demonstrar que o resíduo terroso da experiência provinha do próprio vaso e não da água. Na mesma época Scheele apresentou a mesma demonstração usando um método químico, o que representou mais um golpe contra a doutrina alquímica dos quatro elementos.[1] Outros exemplos igualmente divulgam técnicas antes mantidas em segredo. O médico e especialista em metalurgia Georg Bauer conhecido por Agricola publicou De re metallica na Basileia em 1556 um manual prático sobre exploração das minas cobrindo os diferentes aspectos químicos do tratamento de minérios[2]. Muitas das técnicas expostas por Agricola haviam sido adquiridas a partir do conhecimento oral dos mineiros de Joachimsthal onde ele era médico[3]. O próprio Agricola não era mineiro nem tampouco ferreiro, mas um médico, mas seu tratado tornou-se uma referência pelos dois séculos seguintes[4]. Paolo Rossi mostra que o livro foi afixado nos altares das igrejas para que os mineiros agradecessem a solução de um problema técnica como uma espécie de gratidão e devoção sagrada ao livro.[5] No prefácio Agricola explica seu zelo escrupuloso em descrever cuidadosamente as técnicas, instrumentos e maquinaria expostos para que não deixasse qualquer dúvida “para as pessoas de hoje ou dos tempos futuros”.[6] Sua fidelidade com a experiência busca afastar todo o conhecimento baseado em especulações comuns em texto medievais: “Eu não escrevi coisa alguma que não tenha visto ou lido ou com cuidadossíma diligência examinado quando contada a mim por alguém mais”.[7] Ao responder a crítica dos que acusavam tais técnicas como vis por serem praticadas por escravos Agricola responde: “certamente, se a arte dos metais por esta razão é vergonhosa e desonesta para um homem nobre pelo fato de já os servos terem cavado metais, sequer a agricultura será honesta”.[8] Paolo Rossi compara a postura de Agricola na mineração em De re metallica à de De fabrica de Vessalio na anatomia: “em ambos os autores, encontramos a convicção de que a situação de um determinado campo do saber exige, para ser aperfeiçoada e modificada, uma vasta obra de observação e descrição dos dados de fato. Tal descrição deve ser sistemática, analítica, meticulosa. Ela requer técnicas ilustrativas especiais, cujo objetivo fundamental é traduzir os resultados de observação em imagens gráficas o mais claras e compreensíveis possível”.[9] Médico de toda a Europa copiaram os desenhos para uso próprio causando grande irritação em Vessalius, embora o tenham tornado famoso.[10]



 [1]DAUMAS, M. Nascimento da química moderna, In: TATON, René. A ciência moderna: o século XVIII, tomo II, livro 3, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1960, p. 130; STRATHERN, Paul. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, Rio de Janeiro:Zahar, 2002, p.199

 [2]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.13; ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 50; TATON, René. A ciência moderna: o Renascimento, tomo II, v.I, São Paulo:Difusão, 1960, p. 112

 [3]BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.23

 [4]SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 125

 [5]ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 78

 [6]ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.87; ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 51

 [7]ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.89

 [8]ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.92

 [9]ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo:Cia das Letras, 1989, p. 52

 [10]BYNUM, William. Uma breve história da ciência. Porto Alegre:L&PM Pocket, 2018, p. 65, 69


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