sábado, 18 de julho de 2020

Estoicismo


Para os estoicos dentro de uma concepção animista e teleológica as almas individuais são uma parte da alma universal do mundo de modo que todas as coisas tem uma relação umas com as outras. [1] O imperador estoico Marco Aurélio na sua obra Meditações destaca os traços de uma individualidade com origem nos gregos.[2] A máxima estoica era a de viver em harmonia com a natureza. Julio Capitolino descreve o período em que Marco Aurélio foi imperador como uma época em que “Todos os homens são irmãos, cada um por si mesmo é cidadão no mundo [;..] Durante seu reinado o povo gozou de tanta liberdade como nos tempos da República, mantinha, em todos os assuntos, uma extraordinária moderação para afastar os homens do mal e animá-los na prática do bem, premiando-os abundantemente tratando-os com indulgência, dentro da severidade das leis”. [3]  Apesar disso Mario Giordani lembra que sob o reinado de Marco Aurélio não foi revogada as leis que perseguiam os cristãos mantendo-a “talvez com uma dose maior de inflexibilidade desdenhosa”.[4] Os estoicos divinizaram a natureza na medida em que defendiam a presença de um espirito – pneuma, a “alma do mundo”, que permearia o mundo natural, e que penetraria todos os corpos e preencheria todos os espaços, como força dinamizadora do cosmos[5], antecipando o conceito de “éter” que seria retomado no século XVII com Descartes, Boyle e Newton ou o “fluido magnético” de Mesmer condutor de uma “simpatia universal” entre os corpos.[6] Charles Singer aponta a filosofia romana do estoicismo e o apreço pela retórica, a aceitação resignada do destino regido por forças dos astros, como as razões para o desprezo dos romanos pelas questões científicas.[7]. George Sarton também aponta que os estoicos dedicaram pouca atenção à ciência e favoreceram a adivinhação (manteia) e a astrologia. [8] Segundo os estoicos, os astros quando em seu movimento retornam ao mesmo signo e posição que se encontravam no início do universo neste momento se realiza uma conflagração e destruição de seres com o retorno à ordem cósmica original, reiniciando-se do a história do universo tal como já acontece. E tal retorno universal ocorre não apenas uma vez mas diversas vezes e assim as coisas voltarão ao infinito e sem termo, ou seja o estoicismo não traz o conceito de progresso contínuo mas o de uma lei de eterno retorno[9] Moses Finley aponta contradições na doutrina estoica que ao mesmo tempo em que realça a astrologia de outra parte fez importantes contribuições à teoria física[10]. G. Lloyd destaca que  embora possa se encontrar no estoicismo alguns dos conceitos modernos da física posterior como o de campo de força, os estoicos adotavam uma abordagem puramente filosófica sem o recurso a recursos matemáticos e não relacionado com a prova experimental.[11] Paulo Abrantes, contudo, propõe que os estoicos foram uma influência importante no desenvolvimento da ciência do século XVII na medida em que unificavam a física, a lógica e a moral sob o mesmo logos e eliminavam a distinção entre mundos sub e supra lanar fazendo a pneuma se estender por todo o cosmo.[12]


[1] HOOYKAAS, R.. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Brasília:UNB, 1988, p.24
[2] HALL, Edith. The ancient greeks, London:Vintage, 2015, p.8
[3] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 70
[4] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 338
[5] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.46
[6] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998, p.50, 126
[7] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.7, 82
[8] SARTON, George. Historia de la ciência, Buenos Aires:Editorial Universitaria Buenos Aires, 1959, p. 168
[9] MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento antigo: desde Aristóteles até os neoplatônicos, São Paulo: Mestre Jou, 1973, p. 105
[10] FINLEY, Moses. Los griegos de la antiguedad. Barcelona: Editorial Labor, 1966, p. 189
[11] LLOYD, G. Ciência e matemática. In: In: FINLEY, Moses. O legado da Grécia. Brasília: UNB, 1998, p. 318
[12] ABRANTES, Paulo. Imagens de natureza, imagens de ciência, Campinas:Papirus, 1998


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