O renascimento na época de Carlos Magno no século VIII não é uma inovação mas a ressurreição do império romano. As escolas de Atenas haviam sido fechadas por Justiniano em 529. Carlos Magno auxiliado pelo monge Alcuíno de York, em seu tempo conhecido como “o mais letrado do mundo”, ordenou a fundação de novas escolas anexas as abadias do reino em 787[1] onde todos aqueles “que, com a graça de Deus, fossem capazes de aprender”[2]. Entre estas escolas destacava-se a Escola do Palácio, a Escola Palatina, como local de encontros de sábios eclesiásticos da época para preparação de jovens nobres que visavam algum cargo administrativo. [3] Para Robert Fossier a Escola do Palácio “nunca passou de um modesto circulo de conselheiros ociosos em que o príncipe não era o único a não saber escrever”, de qualquer forma na reforma educacional de Carlos Magno o ensino passa para as mãos da Igreja[4]. O currículo básico estabelecido por Alcuíno constituído pelo trivium (gramática, retórica e dialética) para a ciência das palavras e pelo quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) para a ciência das coisas.[5] Segundo Sedgwick: “Foi nas escolas de Carlos Magno que se desenvolveu pouco a pouco esse espírito sutil, minucioso e super refinado do último período da Idade Média, que se tornou conhecido pelo nome de escolástica. Baseado, como era, na autoridade ao invés da experiência, e acentuando, como fazia, mais os detalhes do que os princípios, esse espírito aguçava o intelecto em lugar de conferir-lhe maior largueza, e era indiferente, senão desfavorável, à ciência”.[6] Marc Bloch mostra que até o final do século XI, exceto temporariamente pela renascença carolíngia, a mentalidade religiosa prevalecente no período medieval era desprovida de qualquer base racional ou especulação lógica “É-nos permitido dizer que nunca a fé mereceu tanto esse nome”.[7] Martin Stevers destaca que a escolástica lançava as bases do pensamento moderno na medida em que baseada na lógica aristotélica como se observa nas obras de Alberto Magno, Vicente de Beauvais, João Duns Scotus, Rogério Grosseteste e Roger Bacon[8]. Partindo de uma lógica analítico dedutivo pela qual a partir de um princípio geral admitido como certo, os dogmas da Igreja, se deduz explicações detalhadas dos fatos os escolásticos gradativamente incorporaram uma migração para o pensamento indutivo sintético pelo qual a partir de fatos selecionados se constrói princípios mais gerais, fundamento do pensamento da ciência moderna. Para Martin Stevers esta transição se fez ainda dentro dos limites do pensamento escolástico[9]. Georges Duby mostra que da fusão do saber das escolas catedrais e o saber dos mosteiros surge a exegese que segundo a palavra do apóstolo Paulo busca aceder “através do mundo visível ao invisível”. Segundo Georges Duby: “a lógica jamais intervém numa tal pesquisa, mas bem mais a descoberta das analogias e o recurso aos símbolos, na medida em que a criação, nas suas dimensões espaciais e temporais, aparece como um tecido de correspondências [...] A matéria e os métodos de ensino imprimem muito profundamente no espírito dos sábios do ano mil a convicção de uma coesão e de uma harmonia essenciais entre a parte do universo que o homem pode aprender pelos sentidos e aquela que lhe escapa. Entre a natureza e o sobrenatural, nenhuma barreira, mas pelo contrário comunicações permanentes, correspondência íntimas, infinitas [...] Quanto ás ciências associadas do Quadrivium, elas levam a discernir as relações ocultas que unem aos tons da música, os números, e o curso regular das estrelas, ou seja, a descobrir a ordem do cosmos, quer dizer, a descobrir de Deus uma imagem menos infiel”.[10]
[1] MONROE, Paul. História da educação. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1974, p.116
[2] FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.93
[3] MENDONÇA, Sonia. O mundo carolíngio. Coleção Tudo é história, n° 99, São Paulo:Brasiliense, 1985, p.84
[4] FOSSIER, Robert. As pessoas da idade média, Rio de Janeiro: Vozes, 2018, p. 271
[5] COSTA, José Silveira da. A escolástica crsitã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.10
[6] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.155
[7] BLOCH, Marc. A sociedade feudal, Lisboa:Edições 70, 1982, p.104
[8] STEVERS, Martin. A inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.410
[9] STEVERS, Martin. A inteligência através dos séculos. São Paulo:Globo, 1946, p.405
[10] DUBY, Georges. O ano mil, Lisboa:Edições 70, 1967, p. 63, 69
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