As cheias regulares do Nilo permitiam uma irrigação natural que ampliava a área de cultivo. Com uso de uma irrigação ordenada aplicada a um húmus fecundo deixado pelas cheias do Nilo o Egito tornou-se no celeiro da Antiguidade com produção abundante de trigo, cevada e sorgo[1]. Heródoto narra que “tão logo o rio se eleva por vontade própria, rega os campos de cultiva e se retira, cada um deles semeia seu campo e conduz até ele seus porcos para que com suas garras introduzam as sementes. Depois não precisam fazer outra coisa a não ser esperar a colheita”.[2] Com o declínio do nível do Nilo as terras seriam enriquecidas com o lodo encharcando profundamente a terra. Em 1957 Wittfogel defendeu a tese conhecida como “tese hidráulica” de a irrigação artificial introduzida por volta de 3000 a.c. foi elemento central para busca de um poder centralizado e para integração dos reinos do Alto e Baixo Egito pelo rei Menés, pois somente um poder central conseguiria empreender a tarefa de irrigação de modo a otimizar os rendimentos de uma economia predominantemente agrícola[3]. Em Medinet et Faium, a chamada “Veneza do Egito” há um antiquíssimo curso de água artificial de cerca de 300 quilômetros conhecido como “Bahr Yusuf” ou “Canal de José” que teria sido construído pelo José bíblico no tempo do faraó Amenemhat III (1860-1814 a.c.).[4] O papiro de Wilbour da XX Dinastia mostra que sob Ramsés V a semeadura da maior parte da superfície cultivada era controlada administrativamente pelo governo central,[5] no entanto esta fonte é mais tardia. A unificação conseguida em torno de um projeto tecnológico de irrigação desenvolveu tanto no Egito como na Mesopatâmia o que Mary Austin denomina “coletivismo da utilidade indivisível”.[6] Jean Vernant observa que a tese não se aplica na Grécia[7]. Esta tese desenvolve o conceito de “modo de produção asiático” exposto por Marx, segundo o qual, muitas sociedades, principalmente asiáticas, dependiam largamente da construção de obras de irrigação em larga escala, organizada sob o controle de um poder central despótico. Karl Wittfogel publicou em 1957 Despotismo oriental: um etudocomparativo do poder total em que defende a tese de os poderorsos estados da antiguidade foram montados em função de grandes obras hdraulicas o que leveou a um despotismo oriental.[8] Esta tese foi contestada posteriormente a partir dos estudos arqueológicos que detectaram a ausência de indícios de grandes obras de irrigação no III e II milênio a. C. Os soberanos da XII Dinastia (1990 a.c. a 1780 a.c.) concluíram a canalização da primeira catarata começada durante a VI Dinastia.[9]
[1] MATTOSO, Antonio. História da civilização, Lisboa:Ed Sá da Costa, 1952, p.86
[2] STROUHAL, Eugen. A vida no antigo Egito. Barcelona:Folio, 2007, p. 95-96
[3] HODGES, Henry. Technology in the ancient world, New York: Barnes & Noble Books, 1970, p. 91
[4]KELLER, Werner, E a Bíblia tinha razão, Sâo Paulo: Melhoramentos, 1964, p.92
[5] CARDOSO, Ciro Flamarion. O Egito antigo. Coleção Tudo é história, n° 36, São Paulo:Brasiliense, 1986, p.37; CAMP, L. Sprague de. The ancient engineers, New York: Ballantine Books, 1963, p. 13
[6] MUMFORD, Lewis. A cidade na história, São Paulo:Martins Fontes, 1982, p. 149
[7] VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego, Rio de Janeiro:Difel, 2002, p. 25
[8] VAINFAS, Ronaldo; FARIA, Sheila; FERREIRA, Jorge; SANTOS, Georgina. História Volume único, São Paulo:Saraiva, 2010, p.28
[9] GRIMBERG, Carl. História Universal: a aurora da civilização, v.1, Chile:Publicações Europa, 1989, p. 49
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