terça-feira, 2 de junho de 2020

Regra de São Bento e a ociosidade

As regras monásticas de São Bento de Núrsia no século VI destacam o valor do trabalho mas como obediência expiatória imposta ao homem em consequência do pecado original.[1]Segundo o capítulo 48 da Regra (Regula) de São Bento: “a ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e em outras com a leitura espiritual”. A regra de São Bento contudo somente se tornou norma exclusiva dos mosteiros a partir do século IX. O texto da regra de São Bento é uma cópia do original feita por Tedomar, abade de Monte Cassino na época de Caros Magno[2]. Segundo Jacques le Goff era a evolução de um trabalho penitência da Bíblia para um trabalho reabilitado que se tornava meio de salvação. [3]Reconhecendo o valor do trabalho manual na educação o monaquismo introduziu novos processos para os artífices de madeira, couro, metais e tecidos. [4]Foram alcançados progressos em muitas artes industriais como as de entalhe de madeira e fabricação de cerveja. [5]O evangelho Stonyhurst ou Evangelho de São João segundo São Cuthbert, é um pequeno evangeliário do século VII, escrito em latim, e com encadernação sofisticada em couro[6]. A regra de São Bento assimila as ferramentas do mosteiro, aos vasos e às mobílias sagradas cuja perda ou dano era considerado um sacrilégio.[7]Em Cluny Georges Duby observa que a interpretação da regra de São Bento transformara o trabalho manual imposto aos monges como simbólico de modo que na abadia não haviam oficinas, o abastecimento cabia aos decanatos dispersos no campo.[8]Os monges além de tecer encarregavam-se de ofícios como carpintaria e artes de pedreiro que transmitiam à população ao redor do convento.[9]Entre seus tesouros um candelabro de bronze cuja parte central tinha mais de cinco metros. Muitas destas obras são assinadas sem qualquer modéstia, como se observa na porta principal da catedral de Autun sob os pés de Cristo: “Gislebertus hoc fecit”.[10] Alexander Murray observa o paradoxo das ordens religiosas que ao mesmo tempo que buscam compreender a natureza à luz da razão buscam a fuga do mundo para responder aos apelos da fé.[11] Jean Gimpel observa que nunca houve nos mosteiros escolas de talhadores de pedra ou arquitetos desfazendo a referência aos “monges construtores” mencionados pelo conde Charles de Montalembert do século XIX.[12]
[1] LE GOFF, Jacques. Para uma outra idade média, Petrópolis: Vozes, 2013, p.150, 171, 211
[2] COSTA, Ricardo da; VENTORIM, Eliane; FILHO, Orlando Paes. Monges medievais, São Paulo:Planeta, 2004, p.18
[3] GOFF, Jacques. Para um novo conceito de idade média. Lisboa:Editorial Estampa, 1979, p.14
[4] MONROE, Paul. História da educação. São Paulo:Cia Editora Nacional, 1974, p.105
[5] BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.265
[6] SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.169
[7] LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Rio de Janeiro:Vozes, 2016, p. 191
[8] DUBY, Georges. A vida privada nas casas aristocráticas da França feudal. In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges. História da vida privada: da Europa Feudal à Renascença, v.2, São Paulo:Cia das Letras, 1990, p.58
[9] FREMANTLE, Anne. Idade da fé. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro:José Olympio, 1970, p.34
[10] CLARK, Kenneth. Civilização, São Paulo:Martins Fontes, 1980, p.66
[11] MURRAY, Alexander. Razão. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 432
[12] ASLAN, Nicola. A maçonaria operativa, Rio de Janeiro: Aurora, 1979, p. 43

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