terça-feira, 9 de junho de 2020

Galeno e Celso

Galeno (129-200) médico dos gladiadores em Roma[1] e especializado no tratamento de feridos, por exemplo, em seus textos questiona a autoridade dos textos de Empédocles e Aristóteles a quem atribui muitos erros em anatomia dos animais. Galeno questiona a forma vaga de muitos destes textos quando se referem as medidas imprecisas de peso dos medicamentos usados.[2] Galeno observa o valor da experiência citando como exemplo o fogo. Como saber se ele queima senão pela experiência ? : “o juiz mais seguro de todos será a experiência somente, e aqueles que a abandonam e raciocinam em outras bases não apenas serão iludidos como destruirão o valor deste tratado”. [3] Galeno escreveu um tratado sobre o pulso e seu uso no diagnóstico de doenças ainda que não tivesse noção da circulação do sangue.[4] Para Galeno segundo sua obra “Da utilidade das partes do corpo”: “As mãos são um instrumento, como a lira é o instrumento do músico, e as tenazes, o do ferreiro [...] toda alma possui graças à sua própria essência certas faculdades, mas sem o auxílio de instrumentos é impotente para realizar o que por natureza tem disposição para realizar”. Mesmo quando se apoia em Aristóteles, Galeno destaca o papel da experiência: “ Se alguém deseja observar as obras da natureza, deve depositar a sua confiança não em livros de anatomia, mas sim nos seus próprios olhos, e procurar-me a mim ou consultar um de mesu colegas, ou por si só, laboriosamente praticar exercícios de dissecação, mas enquanto se limitar a ler será mais provável que acredite em todos os antigos anatomistas, porque eles são muitos”.[5] As duas principais descobertas de Galeno sobre a demonstração de que as artérias transportam sangue e não ar e que a rim é um órgão excretor de urina foram feitas com experimentos em animais vivos.[6] No tratado O regime que fluidifica os humores, Galeno enumera diversas ervas medicinais e suas aplicações. Em outra obra Galeno descreve as propriedades medicinais da teriaga[7], medicamento que no período medieval tornou-se um remédio universal aos moldes da pedra filosofal dos alquimistas.
O espírito empirista de Galeno é sintetizado por Celso (Aurelius Cornelius Celsus), conhecido como “o Cícero dos médicos” (Cicero medicorum)[8] autor de De res medica[9]do ano 30 d.c. (Das coisas médicas) uma compilação de textos em grego[10]: “é ocioso investigar as causas obscuras e as ações naturais, porque a natureza é impenetrável; e a prova disso é o desacordo reinante entre os que discutem estas questões”. A medicina empírica, portanto, não é o produto do raciocínio mas das experiências.[11] Celso era um “curioso da ciência médica[12] Embora Plínio nomeie Celso como um dos autores de tratados médico, não o inclui como médico[13].
[1] HALL, Edith. The ancient greeks, London:Vintage, 2015, p.234; BRAGA, Marco; GUERRA, Andreia; REIS, Jose Claudio. Breve historia da ciência moderna, v.I, Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 86; BYNUM, William. Uma breve história da ciência. Porto Alegre:L&PM Pocket, 2018, p. 40
[2] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University Press, 1923, p.153
[3] THORNDIKE, Lynn. A History of magic and experimental science, v.I, Columbia University Press, 1923, p.158
[4] BYNUM, William. Uma breve história da ciência. Porto Alegre:L&PM Pocket, 2018, p. 42
[5] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.319
[6] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.I, São Paulo, 1970, p. 46
[7] MANGOLD, Lydia Mez. Imagens da história dos medicamentos, Basileia:Hoffman La Roche, 1971, p.36
[8]GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 287
[9] FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 258
[10] SINGER, Charles. From magic to science. New York:Dover, 1958, p.21
[11] TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 180
[12] BLOCH, Raymond; COUSIN, Jean. Roma e o seu destino. Rio de Janeiro:Cosmos, 1964, p.344
[13]GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 287

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