sexta-feira, 5 de junho de 2020

A ciência de Raimundo Lúlio

Menéndez Lelayo afirma que Raimundo Lúlio denominado “Doutor Iluminado” é equivocadamente tratado como praticante de alquimia medieval.[1]Lydia Mangold afirma que Raimundo Lulio como alquimista trabalhou na destilação do álcool que denominava de anima coelica, mercurius vegetabilis e conseguiu obter carbonato de amônia pela destilação da urnia, sendo pioneiro na preparação de tinturas e essências refinadas.[2] Frances Yates, contudo, mostra que a imensa literatura alquímica atribuída a Raimundo Lúlio foi escrita após sua morte.[3] No século XIV Raimundo Lúlio (1232-1316) autor de Clavicula, Ars Magna[4]e Testamentum foi convidado pelo rei da Inglaterra Eduardo II para converter metais vis, como azougue (mercúrio[5]), chumbo e estanho em ouro sob a promesssa de que os recursos seriam investidos em uma cruzada contra os turcos. Conta-se que foram produzidos 22 toneladas de ouro em medalhas comemorativas, com o testemunho de João Cremer abade de Westminster[6], e que até os fins do século XVII circulavam pela Europa como “o ouro alquímico de Lull”.[7] O rei encarcerou Raimundo Lúlio na Torre de Londres para que não revelasse seu segredo, porém este conseguiu fugir para Messina.
A figura mostra a La Maquina de la Verdad, Ars Magna, Ramon Llull[8]
Raimundo Lulio não concebia a ciência por partes, mas como uma unidade indivisível – non est pars scientiae, sed totum. Na sua obra Ars Magna publicada em 1308 um mecanismo formado por símbolos, letras e figuras e suas combinações permitia evocar princípios da filosofia e teologia que representavam esquemas de argumento silogísticos (a partir de premissas se chega a uma conclusão por dedução: Todo círculo é redondo, nenhum triângulo é redondo, logo nenhum triângulo é um círculo) que conduziam à verdade. Raimundo Lúlio elabora conceitos de lógica que foram utilizados por Leibniz para seu estudo de Ars Combinatoria de 1666 influindo de forma importante no desenvolvimento da lógica moderna[9] e a busca da construção de uma linguagem matemática (lingua characteristica universalis)[10]que pudesse servir de base para solução de todos os problemas de lógica. A Ars Magna de Lúlio propunha uma sistematização do saber, um método de formular enunciados a partir das combinações de conceitos identificados por letras inscritas ao longo de circulos concêntricos giratórios e que ao final seria capaz de responder qualquer pergunta bastando-se mover cada círculo correspondentemente. Partindo-se de um número limitado de conceitos o mecanismo seria capaz de estabelecer inferências ao estabelecer uma fusão entre a dialética e a lógica. Segundo Raimundo Lúlio Deus possuía atributos (ou dignidades) que, em sua ação contínua, criavam todo o universo. Em sua Arte Breve Llull afirmou que Deus possuía nove “dignidades”: Bondade, Grandeza, Eternidade, Poder, Sabedoria, Vontade, Virtude, Verdade e Glória, organizadas em letras – B, C, D, E, F, G, I, K que existiriam em Deus em grau máximo de perfeição.
Para Ramon Llull, a arte era o ordenamento e o estabelecimento de respostas para todas as questões possíveis. O termo ars na idade média remete ao termo grego technérelativo as artes práticas.[11] Segundo Ricardo da Costa: “Ramon partia da idéia de que ciência era um conhecimento a partir de causas (ou princípios) e que se valia da observação empírica baseando-se então primordialmente na definição aristotélica”.[12] A proposta de Lúlio era de uma nova ciência pois as ciências aristotélicas escolásticas eram vistas como sem um fundamento sólido e baseadas na probabilidade, na opinião subjetiva. [13] Na nova ciência proposta por Raimundo Lúlio seu método é aplicável a todas as ciências rompendo com o princípio de incomunicabilidade da ciência aristotélica compartimentada em gêneros.[14] Para Ricardo Costa: “Em meio a todos esses pressupostos religiosos, Llull criou o primeiro sistema combinatório através de uma linguagem simbólica. Assim, através de Ramon percebemos que a Filosofia medieval tentou unir fé e razão, investigar a realidade visível (e invisível) e, principalmente, ofereceu aos pósteros as bases para o desenvolvimento do racionalismo moderno”.[15]
[1] MENESES, José Newton. Os alambiques, a técnica da produção da cachaça e seu comércio na América portuguesa. In: BORGES, Maria Eliza. Inovações, coleções, museus. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p.130
[2]MANGOLD, Lydia Mez. Imagens da história dos medicamentos, Basileia:Hoffman La Roche, 1971, p.69
[3]YATES, Frances. O iluminismo rosacruz, São Paulo:Pensamento, 1983, p.257
[4] COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.101
[5] BARRETO, Elias. Enciclopédia das grandes invenções e descobertas. São Paulo:Cascino Editores, 1971, p.100
[6] CANTU, Cesare. História Universal, volume XIV, São Paulo:Editora das Américas, 1955, p. 314
[7] CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos, São Paulo:Moderna, 1994, p. 75
[9] COSTA, José Silveira da. A escolástica cristã medieval, Rio de Janeiro, 1999, p.102; ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.56, 196
[11] BONNE, Anthony. The Art and Logic of Ramon Llull, A User’s, GuideBrill:Leiden, 2007
[12] COSTA, Ricardo da. A Ciência no Pensamento Especulativo Medieval. In: SINAIS – Revista Eletrônica. Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.05, v.1, Setembro. 2009. pp. 132-144
[13]SIMON, Josep Maria Ruiz. A arte de Raimundo Lúlio e a teoria escolástica da ciência, São Paulo:Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2004, p.16
[14]SIMON, Josep Maria Ruiz. A arte de Raimundo Lúlio e a teoria escolástica da ciência, São Paulo:Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, 2004, p.78, 331

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