sexta-feira, 22 de abril de 2022

A falsificação de documentos pela Igreja: a Doação de Constantino

 

Marc Bloch observa a ocorrência de falsificações piedosas tais como a pseudo doação de Constantino (Constitutum Donatio Constantini) ao papa Silvestre I em 315, uma falsificação que data do século VIII e em que foi confirmada a fraude somente em 1440 por Lorenzo Valla[1] em seu Tratado sobre a Doação de Constantino. O tratado de gramática e estilística de Lorenzo Valla, Aelegantiae linguae latinae tornar-se referência entre os eruditos por seu rigor metodológico[2]. O autor da Doação de Constantino cometeu erros crassos como usar o termo “diadema” com o significado de coroa de ouro quando na época o termo significava um pano grosseiro, e que o termo “tiara” não era usado na época, entre várias outras contradições que mostravam de forma incontestável que não poderia ter sido escrito antes do século VIII e jamais se tratar de um texto do século IV. Dizia-se que Constantino fora motivado pelo agradecimento a Silvestre I por tê-lo curado da lepra e o convertido ao cristianismo.[3] Quando em 756 Pepino o Breve fez um acordo franco papal que doava terrenos à igreja confirmado por Carlos Magno[4] ele estaria meramente restituindo à Igreja o que Constantino havia dado[5], dando origem ao Estado Pontifício[6]. Em troca Pepino recebeu o título de patricius romanus e o compromisso dos francos de que nunca escolheriam um rei que não fosse de suas descendência[7]. Nicolau de Cusa na mesma época já apontava o fato de que o bispo Eusébio de Cesareia biógrafo de Constantino não menciona tal doação do imperador. De fato Constantino doara ao bispo de Roma o palácio de Latrão e o ducado de Roma, mas não há qualquer prova de doação de toda a Itália e as províncias ocidentais.[8] Para Silvester Prierias (1456-1523) a doação de Constantivo não foi propriamente uma doação mas uma restituição “non est donatio sed restitutio”.[9] Os compiladores do Liber Pontificalis indicam listas de propriedades dos bispos romanos de 314 a 440 d.c com doações à Igreja entre as quais incluem doações de Constantino, do senador galicano, de uma mulher da alta sociedade Vestin e vários bispos de Roma[10]. A doação de Pepino aconteceu depois do papa Estevão II de Roma ter seu apelo de apoio de Constantinopla negado por Constantino V, o que o fez a buscar aliança com os lombardos. A ideia essencial do documento era a de excluir os bizantinos de qualquer poder sobre a península itálica[11].

[1] CORNELL, Tim; MATHEWS, John. Renascimento v.II, Grandes Impérios e Civilizações, Lisboa:Ed. Del Prado, 1997, p. 117

[2] CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações: a idade média, os tempos difíceis, volume 8, São Paulo: Bertrand Brasil, 1994, p. 177

[3] BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.520

[4] JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 90

[5] JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 96

[6] JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.57

[7] DURANT, Will. História da Civilização, A idade da fé, tomo II, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1957, p.249

[8] FLORI, Jean. Jerusalém e as cruzadas. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.II, São Paulo:Unesp, 2017, p. 24

[9] HOFFNER, Joseph. Colonialismo e evangelho, São Paulo: Presença 1973, p.42

[10] CORNELL, Tim; MATTHEWS, John. Roma: legado de um império, v. II, Lisboa:Edições del Prado, 1996, p. 200

[11] BALARD, Michel. Bizâncio visto do Ocidente. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 150



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