sábado, 4 de setembro de 2021

A visão de mundo da alquimia diametralmente oposta ao da ciência

 

A palavra alquimia é derivada do termo árabe "al kimiya"[1] que se refere à preparação da Pedra ou Elixir pelos egípcios, ou al-iksir em árabe[2]. O kimiya de raiz árabe pode ter origem do grego chuma que significa fusão de metal[3] ou do chem cóptico que aludiu à terra preta kemet fértil do delta de Nilo[4], matéria original das operações de alquimia mais tarde substituída pelo mercúrio[5]. A keme egípcia refere-se as terras cultiváveis enquanto a deshret refere-se a terra vermelha, ou deserto.[6] Klmya também pode derivar do grego khymeia que significa fusão[7]. Outra origem possível é o termo grego chew para derramar ou derreter,[8] fundir e coar metais.[9] Uma origem alternativa é uma derivação do nome Chem que os antigos egípcios atribuíam a seu país.[10] As referências mais antigas da alquimia de Plutarco referem-se a “arte egípcia”.[11] As fronteiras entre magia e tecnologia não estavam delimitadas claramente. George Sarton, contudo, observa a necessidade de se manter uma fronteira clara entre estes dois conceitos: “O historiador da ciência não pode devotar muita atenção ao estudo da superstição e da magia, isto é, da irracionalidade, pois este estudo não o ajuda muito a compreender o progresso humano. A magia é essencialmente antiprogressista e conservadora; a ciência é essencialmente progressista; a primeira caminha para trás; a segunda para a frente” [12] Para George Sartin a alquimia era essencialmente empirista, não se tratava propriamente de uma teoria, mas de receitas: “não irei perder tempo discutindo especulações gratuitas e ou descrevendo os truques de alquimistas que estavam sempre prontos a se aproveitar da credulidade de seus seguidores”. [13] Para a alquimia a história do conhecimento apesar de seus variados testemunhos manifesta uma única e imutável sabedoria[14] o que se contrapõe à perspectiva de progresso da ciência moderna. Nas palavras de Ambroise Paré (1510-1599) em defesa do progresso da ciência: “existem mais coisas a descobrir do que aquelas que foram descobertas e as artes não são perfeitas que não se possa acrescentar a elas algo mais”.[15] Para a alquimia não basta um estado de iluminação interior para se conquistar o status de iluminado, a conquista do domínio de técnicas capazes de realizar experimentos dos quais o elixir da vida eterna e a conversão em ouro foram os mais destacados, é fundamental para que este estado de iluminação seja reconhecido pelas demais pessoas. Em segundo lugar ainda que ciosa de seus segredos a alquimia é baseada no fundamento de que tais conhecimentos possam ser reproduzidos e desta forma transmitidos as demais gerações aos iniciados. Jorge Machado observa que a visão de mundo da alquimia era diametralmente oposta ao da ciência moderna: “para os alquimistas, o mundo era um organismo vivo no qual, por exemplo, os metais germinavam no seio da terra e caberia ao adepto, em sua obra, imitar a natureza e cuidar dela. Daí serem chamados por vezes de agricultores celestes. Para a química moderna, em contrapartida, o universo é como um gigantesco mecanismo de relógio, rigorosamente regido por leis impessoais de causa e efeito”.[16]

[1] BRAGA, Marco; GUERRA, Andreia; REIS, Jose Claudio. Breve historia da ciência moderna, v.I, Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 69

[2] LYONS, Jonathan. A casa da sabedoria, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.18

[3] TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 167

[4] SUZAKU, Dictionaire Alchimique, 2008 http://suzaku-serialexperiments.blogspot.com/; STRATHERN, Paul. O sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, Rio de Janeiro:Zahar, 2002, p.32; HARRIS, J. O legado do Egito, Rio de Janeiro:Imago, 1993, p.215

[5] TATON, René. A ciência antiga e medieval, tomo I, livro 2, Sâo Paulo:Difusão Europeia, 1959, p. 168

[6] JOHNSON, Paul. História Ilustrada do Egito. Rio de Janeiro:Ediouro, 2002, p. 13

[7] MALKOWSKI, Edward. O Egito antes dos faraós. São Paulo:Cultrix, 2010, p. 276

[8] GOLDFARB, Da alquimia à química, Sâo Paulo:Edusp, 1987, p.43

[9] BERNARDONI, Andrea. Alquimia e artes químicas. In: ECO, Umberto. Idade média: bárbaros, cristãos e muçulmanos, v.I, Portugal:Dom Quixote, 2010, p.436

[10] DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.391

[11] WEST, John Anthony. The traveler’s key to ancient Egypt, New York:Quest, 2012, p. 31

[12] SARTON, G.; Introduction to the History of Science, 4 vols., Robert E. Krieger Publishing Co., Huntington, 1975, vol. 1, p. 19.

[13] SARTON, George. Six wings, men of science in the Renaissance, Bloomington: Indiana University Press, 1957, p. 108

[14] ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 80

[15] ROSSI, Paolo. O Nascimento da ciência moderna na Europa, Bauru:Edusc, 2001, p. 81

[16] MACHADO, Jorge. O que é alquimia ? Coleção primeiros passos, São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 16



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