Historiadores como Ciro Flamarion Cardoso, Jacob Gorender, Antônio Barros de Castro, Stuart Schwartz e Manolo Florentino, Jorge Caldeira e João Fragoso apontam um maior peso para o mercado interno e da riqueza colonial o que desfaz a imagem de um sistema econômico cuja renda viria unicamente das grandes fazendas escravistas na monocultura de açúcar ligadas à exportação, sendo que uma parcela mínima desta renda ficaria na colônia.[1] Na perspectiva destes autores, contestando as teses de Fernando Novais de uma economia fundamentalmente latifundiária exportadora, o mercado interno tinha um papel importante na economia colonial e não pode ser considerado como secundário, sob de risco de perdemos a dinâmica com que se desenvolveu o processo de independência da metrópole. O ato de transformação do Brasil em Reino em 1815 era o reconhecimento de sua dominância como centro econômico.[2] Segundo relatório do deputado Manuel Fernandes Tomás na Corte portuguesa em Lisboa em fevereiro de 1821 o comércio com o Brasil em 1818 havia dado um déficit à Coroa portuguesa de 4 milhões e 265 mil cruzados.[3] De 1796 a 1807 em apenas três anos o saldo foi favorável à metrópole[4]. Dados de 1796 mostram que o Brasil importou cerca de 7 mil contos e exportou cerca de 10 mil contos (Heitor Lima registra exportações de 11,5 mil contos)[5] com saldo positivo para a colônia brasileira. Do total de cerca de 7,6 mil contos das exportações de Portugal para as colônias, cerca de 7 mil contos era para o Brasil, ou seja, a colônia brasileira consumia 92% das exportações portuguesas para suas colônias o que demonstra que o Brasil era o grande mercado para os produtos portugueses.[6] Em 1806 a balança comercial teve saldo positivo de 6,8 mil contos sendo 23,2 mil contos de exportações e 16,4 mil de importações.[7] Embora José Murilo de Carvalho reconheça o papel que a economia interna tinha no Brasil e que a economia não poderia ser resumida ao latifúndio e à monocultura exportadora, não há como negar o fato que politicamente o comércio externo era mais importante por causa dos impostos que gerava chegando a 80% das receitas totais do governo na época da Maioridade . A não renovação em 1827 das tarifas preferenciais com a Inglaterra mostra a importância que essa arrecadação tinha nas contas públicas.[8] No final do império três produtos, todos baseados na mão de obra escrava, respondiam por 70% a 80% das exportações: o açúcar (10%), algodão (5%) e café (70%).[9] Fernando Novais, por sua vez, não nega o papel do mercado interno, mas o considera como secundário: “Quando falamos da exploração, estamos deslindando mecanismos de conjunto do sistema colonial, isto é, das relações entre o conjunto do mundo colonial e o mundo metropolitano em seu conjunto; o fato de que uma determinada metrópole não tenha assimilado as vantagens da exploração colonial em seu desenvolvimento não prova a inexistência dessa exploração, quer dizer apenas que perdeu a competição intermetropolitana. Acumulação para fora, externa, refere-se à tendência dominante do processo de acumulação, não evidentemente à sua exclusividade; é claro que alguma porção do excedente devia permanecer (“capital residente”) na Colônia, do contrário não haveria reprodução do sistema. Não se trata, desde logo, de uma formação social capitalista que se elabora sem acumulação originária; mas com um nível baixo dessa acumulação. Externalidade de acumulação originária de capital comercial autônomo refere-se à área de produção (as colônias) em direção às metrópoles; nada tem que ver com um processo externo ao sistema, que envolve por definição metrópoles e colônias. Não cabe, portanto, a increpação de obsessão com as relações externas (porque não estamos falando de nada externo ao sistema), nem de desprezo pelas articulações internas, pois estas não são incompatíveis com aquelas; trata-se, simplesmente, de enfatizar um ou outro lado, de acordo com os objetivos da análise. Nesta mesma linha, os trabalhos recentes e de grande mérito sobre o mercado interno no fim do período colonial não refutam (como seus autores se inclinam a acreditar) de maneira nenhuma aquele esquema que gostam de apodar de “tradicional”; o crescimento do mercado interno é, pelo contrário, uma decorrência do funcionamento do sistema, ou, se quiserem, a sua dialética negadora estrutural. Uma questão que sempre me ocorre diante desses argumentos é esta: se não são essas as características (extroversão, externalidade da acumulação etc.) fundamentais e definidoras de uma economia colonial, o que, então, as define?”.[10]
[1] FRAGOSO, João;
FLORENTINO, Manolo; FARIA, Sheila de Castro. A economia colonial brasileira
(séculos XVI-XIX), São Paulo:Atual Editora, 1998, p.2, 52
[2] ALBUQUERQUE, Manoel
Maurício. Pequena história da formação social brasileira, Rio de Janeiro:
Graal, 1981, p. 305
[3] ALBUQUERQUE, Manoel Maurício. Pequena história da
formação social brasileira, Rio de Janeiro: Graal, 1981, p. 317
[4] LIMA, Heitor Ferreira,
Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de
Cultura, 1961, p. 294
[5] LIMA, Heitor Ferreira,
Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de
Cultura, 1961, p. 294
[6] LIMA, Heitor Ferreira,
Formação Industrial do Brasil, período colonial, Rio de Janeiro: ED. Fundo de
Cultura, 1961, p. 34
[7] BRITO, José Gabriel
Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v.
155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.273
[8] CARVALHO, José Murilo.
A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 23
[9] CARVALHO, José Murilo.
A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 139
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