sábado, 10 de julho de 2021

A sofisticação da arte rupestre

 

As primeiras descobertas em Altamira em 1878 foram recebidas ceticamente pela comunidade científica devido a qualidade da técnica de desenho e pelo fato de serem pintadas em locais sem iluminação o que exigiria uma fonte de luz especial que não deixasse fuligem nas pinturas[1]. Os bisões, cavalos e javalis policromados da caverna de Altamira foram pintados em tamanho natural numa extensão de mais de 14 metros de comprimento. Os materiais de pintura em pigmentos amarelo (carbonato de ferro), vermelho (óxido de ferro), azul (óxido de manganês) e preto (ossos carbonizados)[2] foram obtidos de minerais alguns dos quais encontrados a 48 km de distância das cavernas.[3] Marcelino de Sautuola que descobrira a caverna em 1869 mas ainda não reconhecera as pinturas rupestres voltou a caverna em 1878 para tentar identificar alguns instrumentos do homem pré histórico após ter visitado artefatos semelhantes expostos na Exposição Mundial de Paris. Em suas buscas sua filha Maria Sautuola percorrendo lugares onde Marcelino não podia ficar de pé e encontrou as pinturas.[4] As pinturas davam a impressão de serem frescas e recentes de modo que a tinta graxosa, aderia aos dedos. O isolamento da caverna e uma leve camada de cal permanentemente úmida que cobria as paredes como uma pátina contribui para a preservação. Reunidos em um congresso em Lisboa em 1879 com a presença de pesquisadores como Rudolf Virchow, John Lubbock e Sigrid Undset a descoberta acabou sendo desconsiderada como pinturas recentes dada a qualidade dos desenhos. Emile Cartailhac que inicialmente considerou tratarem-se de falsificações[5] anos mais tarde comparou as pinturas às obras do impressionismo francês cético de sua antiguidade quando escreveu Mea Culpa d’um Sceptique e 1902.  Somente quando novas descobertas de arte rupestre em grutas da França foram encontradas e com a opinião favorável do padre francês Henri Breuil, as pinturas de Altamira foram consideradas legítimas. Até então se conhecia apenas fósseis do homem de neandertal o qual não se acreditava que pudesse ser o autor de tais pinturas devido a seus traços rudes. Em 1903, vinte e três anos depois do Congresso de Lisboa publicamente fez um pedido de desculpas a Maria de Sautuola.[6] Em 1909 a descoberta dos primeiros fósseis do homem de Aurignac, alto e esbelto, seria um candidato mais provável para autoria de tais pinturas.[7] Nas cavernas de La Mouthe em 1889 na França foram encontrados um tipo de lâmpada cavada na pedra alimentada por gordura animal[8] que era utilizada pelos homens pré históricos para iluminar o fundo das cavernas.[9]

Em 1991 na caverna de Blombos na África do Sul foram encontrados vestígios arqueológicos na preparação das tintas que revela um conhecimento técnico de pintura até então ignorado pelos pesquisadores. Segundo Chris Henshilwood, da Universidade de Johannrburg “Esta descoberta representa uma referência importante na evolução da cognição humana complexa (processos mentais), pois mostra que os humanos tinham a capacidade conceitual de fornecer, combinar e armazenar substâncias que eram possivelmente usadas para aprimorar suas práticas sociais”. Em 1951 Arnold Hauser destaca a sofisticação das técnicas de desenho da arte rupestre: “A exatidão do desenho atingiu tal nível de virtuosismo que tornou possível traduzir atitudes e aspectos, sucessivamente mais complicados, movimentos e gestos cada vez mais dinâmicos, assim como esboços e intersecções cada vez mais arrojadas. (…) Há estudos de movimento que nos fazem lembrar as modernas fotografias instantâneas. (…) Os pintores da Idade Paleolítica souberam encontrar, a olho nu, cambiantes delicadas que o homem moderno só consegue descortinar com o auxílio de instrumentos complicados.”[10]

[1] SKLENAR, Karel. La vie dans la préhistoire, Praga:Grund, 1991, p.100

[2] LOON, Hendrick van. As artes. Porto Alegre:Edição da Livraria do Globo, 1941, p. 34

[3] LEWIS, Brenda. Great civilizations, Parragon:London, 1999, p.289

[4] LEAKEY, Richard. A evolução da humanidade, Brasília: UNB, 1981, p. 167; EPSTEIN, Sam, O home das cavernas, Rio de Janeiro:Record,1964, p. 93

[5] BOORSTIN, Daniel. Os criadores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1995, p.192

[6] WENDT, Herbert. A procura de Adão. São Paulo:Melhoramentos, 1965, p. 260

[7] HERRMANN, Paul. As primeiras conquistas. São Paulo:Boa Leitura Editora, 3ª edição, p. 20

[8] SKLENAR, Karel. La vie dans la préhistoire, Praga:Grund, 1991, p.48

[9] SENET, André. O homem descobre seus antepassados, Belo Horizonte:Itatiaia, 1964, p.76, 86; BRISSAUD, Jean Marc. As civilizações pré-históricas. Rio de Janeiro:Ed. Ferni, 1978, p.180

[10] https://ensinarhistoria.com.br/as-10-ideias-erradas-sobre-a-pre-historia/ - Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues



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