domingo, 27 de junho de 2021

A origem do gaúcho como tipo social

 

Para Jorge Caldeira os dados mostram que “a economia brasileira, já a partir do século XVIII, poderia estar andando pelas próprias pernas. Teria então uma trajetória construída na oposição aos desígnios de seus dirigentes, inclusive no que se refere ao essencial: acumular capital suficiente para sustentar seu crescimento. Mais ainda., deveria basear esse crescimento em seu mercado interno, nas frestas deixadas em aberto”.  Mesmo no século XVII este fenômeno já se observa presente. A produção de açúcar em 1624, ano da primeira invasão holandês era de 960 mil arrobas volume que só voltaria a ser atingido em 1737 quando foram produzidas 937 mil arrobas, ou seja, a expansão da riqueza observada no mesmo período não pode ser explicada pela exportação mas pelo crescimento do mercado interno. Segundo Jorge Caldeira: “essa acumulação derivava sobretudo de várias atividades da produção interna – pecuária, agricultura alimentar, farinhas feijão, etc, indústrias manufatureiras como a tecelagem de algodão ou metalurgia do ferro, transportes, etc mesmo na área exportadora, algumas das maiores fortunas monetárias foram obtidas por criadores de gado e comerciantes da produção local – alguns deles chegaram a reunir fortunas maiores que as do senhores de engenho”.[1] Já no início do século XVII a baía de Guanabara exportava cerca de 680 toneladas anuais de farinha para Angola em troca de escravos.[2] Russell Wood destaca que o tabaco vinha de Salvador; carne seca do Ceará e da Paraíba, charque, couro e sebo vinham do Rio Grande do Sul. A revolta de Farroupilha em 1835-1845 no Rio Grande do Sul era um protesto dos estancieiros que queriam condições mais favoráveis para seu gado e charque no mercado interno.[3] A colônia de Sacramento abastecia a América espanhola com produtos internos da colônia em troca da prata espanhola.[4] Jaime Cortesão descreve a figura do vaqueiro gaúcho dedicado a criação e comércio de gado, a ganadaria: “Se a prata espanhola, vinda de Buenos Aires, por intermédio da Colônia de Sacramento, se limitava a sustentar o esplendor fugaz duma riqueza relativamente fácil, no Brasil e Portugal, o mesmo não se dava com a indústria da ganadaria, a qual, lançada pelos portugueses nas margens setentrionais do estuário platino, era pouco depois partilhada pelos espanhóis. A ganadaria veio, assim, a criar um novo gênero de vida e um novo tipo social: o vaqueiro, sem domicílio e sem lei, centauro livre, que rodava a cavalo pelas campanhas, nômade como os índios, cuja cultura assimilara e fundira com a da grei ibérica de onde provinha, roubando estâncias, raptando índias e vendendo cavalos, mulas ou vacas aos portugueses, desde a Colônia até a Laguna. Ao novo tipo social moldado por este gênero de vida chamou-se o gaudério e depois o gaúcho”. [5]

[1] CALDEIRA, Jorge. História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.99

[2] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.183

[3] CARVALHO, José Murilo. A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 92

[4] RUSSELL WOOD, A. Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 153

[5] CORTESÃO, Jaime. Alexandre Gusmão e o Tratado de Madrid, v.II, São Paulo: Funag, 2006, p.42



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