Para Jorge Caldeira os dados mostram que “a economia brasileira, já a partir do século
XVIII, poderia estar andando pelas próprias pernas. Teria então uma trajetória
construída na oposição aos desígnios de seus dirigentes, inclusive no que se
refere ao essencial: acumular capital suficiente para sustentar seu
crescimento. Mais ainda., deveria basear esse crescimento em seu mercado
interno, nas frestas deixadas em aberto”.
Mesmo no século XVII este fenômeno já se observa presente. A produção de
açúcar em 1624, ano da primeira invasão holandês era de 960 mil arrobas volume
que só voltaria a ser atingido em 1737 quando foram produzidas 937 mil arrobas,
ou seja, a expansão da riqueza observada no mesmo período não pode ser
explicada pela exportação mas pelo crescimento do mercado interno. Segundo Jorge
Caldeira: “essa acumulação derivava
sobretudo de várias atividades da produção interna – pecuária, agricultura
alimentar, farinhas feijão, etc, indústrias manufatureiras como a tecelagem de
algodão ou metalurgia do ferro, transportes, etc mesmo na área exportadora, algumas
das maiores fortunas monetárias foram obtidas por criadores de gado e
comerciantes da produção local – alguns deles chegaram a reunir fortunas
maiores que as do senhores de engenho”.[1] Já no
início do século XVII a baía de Guanabara exportava cerca de 680 toneladas anuais
de farinha para Angola em troca de escravos.[2] Russell
Wood destaca que o tabaco vinha de Salvador; carne seca do Ceará e da Paraíba,
charque, couro e sebo vinham do Rio Grande do Sul. A revolta de Farroupilha em
1835-1845 no Rio Grande do Sul era um protesto dos estancieiros que queriam
condições mais favoráveis para seu gado e charque no mercado interno.[3] A
colônia de Sacramento abastecia a América espanhola com produtos internos da
colônia em troca da prata espanhola.[4] Jaime
Cortesão descreve a figura do vaqueiro gaúcho dedicado a criação e comércio de gado,
a ganadaria: “Se a prata espanhola, vinda de Buenos Aires, por intermédio da
Colônia de Sacramento, se limitava a sustentar o esplendor fugaz duma riqueza
relativamente fácil, no Brasil e Portugal, o mesmo não se dava com a indústria
da ganadaria, a qual, lançada pelos portugueses nas margens setentrionais do
estuário platino, era pouco depois partilhada pelos espanhóis. A ganadaria
veio, assim, a criar um novo gênero de vida e um novo tipo social: o vaqueiro,
sem domicílio e sem lei, centauro livre, que rodava a cavalo pelas campanhas,
nômade como os índios, cuja cultura assimilara e fundira com a da grei ibérica
de onde provinha, roubando estâncias, raptando índias e vendendo cavalos, mulas
ou vacas aos portugueses, desde a Colônia até a Laguna. Ao novo tipo social
moldado por este gênero de vida chamou-se o gaudério e depois o gaúcho”. [5]
[1] CALDEIRA, Jorge.
História da Riqueza no Brasil, Rio de Janeiro:Estação Brasil, 2017, p.99
[2] GOMES, Laurentino.
Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.183
[3] CARVALHO, José Murilo.
A construção nacional 1830-1889, Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 92
[4] RUSSELL WOOD, A.
Histórias do Atlântico português, São Paulo: UNESP, 2021, p. 153
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