sábado, 26 de setembro de 2020

A invenção do aço

 

A técnica de cementação, que produz aço a partir do ferro batido é atribuída aos chalibas (khalybes), súditos dos hititas, um povo indo-europeu localizado na região próxima a Turquia e data de 1500 a.c. sendo a técnica registrada numa carta do rei hitita Hattusilis III (1281 a 1260 a.c.)[1] dirigida ao faraó egípcio.  Brian Fagan se refere ao aço indiano do primeiro milênio a.c.. Na cidade helenística de Taxila ao norte do Paquistão encontram-se muitos vestígios de aço com conteúdo uniforme de carbono.[2] Plínio no século I se refere a espadas de boa qualidade feitas com aço indiano.[3] Em 600 d.c a Índia produzia no distrito de Hyderabad o aço wootz que era feito aquecendo o ferro, carvão e vidro num forno cadinho ou fornalha[4] produzindo um aço de alta qualidade e usado na produção de facas e espadas, e que servia de matéria prima para as espadas de Damasco, feitas na Síria.[5] O processo envolvia duas etapas a primeira pela produção de ligas de alto teor de carbono e a segunda pelo forjamento do lingote em lâmina. As lojas de armeiros em Damasco já eram famosas na época de Diocleciano em 290. Aço da Índia foi enviado em segredo pelos romanos para Axumites da Abissínia, que atribuíram sua origem à China. Alexandre o Grande encomendou numa ocasião três toneladas de aço indiano, para uso em talheres e armamento em locais como Damasco e Irinópolis.[6] Segundo pesquisa da Universidade de Dresden as espadas de aço de Damasco, na Síria, fabricadas desde 900 d.c. usadas pelos exércitos muçulmanos medievais como os de Saladino eram caracterizadas pelos belos desenhos ondulados possuem a qualidade de força, resistência ao choque e arestas afiadas devido a incrustação de nanotubos de carbono no aço produzidos pelo tratamento especial que se praticava.[7] Feuerbach sugere que o nome poderia ter vindo do termo “damas”, que em árabe significa água, imagem associada ao padrão visual da lâmina, uma vez que Damasco era apenas um dos centros de comércio em que estas espadas eram negociadas.[8] Quando em 1400 as tropas tártaras comandadas por Tarmelão fizeram o cerco a Damasco os espadeiros sírios foram poupados do massacre e deportados para a capital Samarcanda. Desde então a tradição de espadas em Damasco declinou.[9] A técnica foi transmitida pelos mouros para a cidade de Toledo na Espanha. A técnica, de origem celta produzia como produto final uma espada afiada e maleável. A maior resistência era conseguida com uso de metal carburizado, ou seja, ferro transformado em aço ao se elevar o conteúdo de carbono com mais aquecimento[10]. Em 2020 Rahil Alipour revelou que o aço inoxidável, foi criado no século XI na Pérsia com a descoberta de uma liga aço cromo em Chanak no Irã, ainda que com apenas 1% de cromo, sem atingir portanto o nível mínimo de cromo para definir as qualidades inoxidáveis do aço atual (algo em torno de 11%), no entanto mesmo esse pequeno percentual de cromo já é suficiente para atrasar a oxidação e conferir qualidades especiais ao aço produzido. Um manuscrito persa chamado al-Jamahir fi Marifah al-Jawahi ("Um Compêndio para Conhecer as Gemas") do século X ou XI mostra uma receita para fazer aço em cadinhos usando um ingrediente secreto, possivelmente a cromita [11]. O aço exige um controle delicado da quantidade de carbono em sua fabricação de modo a se calibrar flexibilidade e dureza da espada [12].

[1]CHILDRESS, David Hatcher. A incrível tecnologia dos antigos, São Paulo:Aleph, 2005, p. 88; SAYCE, A. The hitites: the story of a forgotten empire, The Religious Tract Society, 1890, p.136 www.forgottenbooks.com HODGES, Henry. Technology in the ancient world, New York: Barnes & Noble Books, 1970, p. 144; SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.I. Oxford Clarendon Press, 1958, p.595

[2]FAGAN, Brian. Los setenta grandes inventos y descobrimentos del mundo antiguo, Barcelona:Blume, 2005, p. 47

[3]TERESI, Dick. Descobertas perdidas, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p.232

[4]MAHAJAN, Shobhit. História das invenções, Berlim:Verlag, 2008, p. 26

[5]TERESI, Dick. Descobertas perdidas, São Paulo:Cia das Letras, 2008, p.340; COON, Carleton. A história do homem. Belo Horizonte:Itatiaia, 1960, p.320; DERRY, T.; WILLIAMS, Trevor. Historia de la tecnologia: desde la antiguidade hasta 1750, Mexico:Siglo Vintuno, 1981, p.184

[6]SINGER, Charles; HOLMYARD, E. A history of technology, v.II, Oxford, 1956, p.57

[7]SANDERSON, Katharine. Sharpest cut from nanotube sword. Nature, nov. 2006 https://www.nature.com/news/2006/061113/full/061113-11.html

[8]SLAUGHTER, Christian. A lenda da espada de Damasco: história e tecnologia. Tecnol. Metal. Mater. Miner., São Paulo, v. 11, n. 2, p. 155-162, abr./jun. 2014 https://tecnologiammm.com.br/article/10.4322/tmm.2014.023/pdf/tmm-11-2-155.pdf

[9]SALVAT. Maravilhas do mundo, v. 3, Rio de Janeiro: Salvat, 1985, p.87

[10]READERS'S DIGEST. Da idade do ferro à idade das trevas: de 1200 a.c. a 1000 d.c, Rio de Janeiro, 2010, p.24

[11]MARIN, Jorge. Arqueólogos descobrem que aço inoxidável foi inventado há mil anos. https://m.megacurioso.com.br/ciencia/116206-arqueologos-descobrem-que-aco-inoxidavel-foi-inventado-ha-mil-anos.htm

[12]BRONOWSKI, J. A escalada do homen, São Paulo:Martins Fontes, 1979, p.132



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