segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Idade das trevas

 

Historiadores da nova história (nouvelle histoire) como Jacques Le Goff, Joahan Huizinga, Marc Bloch, Georges Duby e Fernand Braudel questionaram a perspectiva da idade média como idade das trevas traçada pelos iluministas do século XVIII[1] e destituída de qualquer avanço técnico, ou seja, para estes historiadores há uma continuidade do período medieval e renascimento ao invés de uma ruptura. Rousseau define a idade média como o período em que “a Europa, inundada de bárbaros e subjugada por ignorantes, perdeu ao mesmo tempo suas ciências, suas artes e o instrumento universal tanto de umas quanto de outras, isto é, a língua harmoniosa e aperfeiçoada”[2]. Petrarca se referia ao período anterior ao Renascimento como tenebrae.[3] O desprezo pela Idade Média encontra-se também presente na obra de Condorcet Tableau des Progrès de l’ Éspirit Humain de 1794. O renascentista Flávio Biondo (1392-1463) embora não tenha usado o termo “idade média  - medium aevum” foi o primeiro a atribuir um esquema em tres etapas da historia para descrever a grandeza da antiguidade, o período entre a queda de Roma e o ressurgimento das artes em sua época.[4]  Segundo Daniel Boorstin: “o pensamento ocidental nunca se refaria do seu modo de cortar todo o passado europeu num período de glória antiga num período de renascimento moderno com uma era media de desintegração e declínio no meio”.[5] Em 1469 o bibliotecário papal Giovanni Andrea refere-se a media tempestas, a um tempo médio, marcado pelo flagelo e ruína[6]. O termo “idade média” aparece no manual escolar Historia Medii Aevi de Christoph Keller conhecido por Cellarius de 1688.[7] Francis Bacon no Novum Organum descreve que “A idade média, em relação à riqueza e fecundidade das ciências, foi uma época infeliz. Não há com efeito, motivos para se fazer menção nem dos árabes, nem dos escolásticos. Estes, nos tempos intermédios, com seus numerosos tratados mis atravancaram as ciências que concorreram para aumentar-lhes o peso. Por isso a primeira causa de um tão parco progresso das ciências deve ser buscada e adequadamente localizada no limitado tempo a elas favorável”[8]. Voltaire ignora o termo no entanto em Essai sur les Moeurs já se refere ao “desgosto que causa a história moderna desde a decadência do império romano”, de modo que Marc Bloch reconhece em Voltaire e outros iluministas contribuíram para o termo acabasse sendo adotado amplamente, especialmente após Michelet (na foto), quando passou a “ter a honra de bastar por si só, como sinal de um período inteiro”. [9]

[1]BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1959, p.563; GOFF, Jacques. A idade média explicada aos meus filhos, Rio de Janeiro:Agir, 2007, p. 17

[2]ROUSSEAU, Jean Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas. Os pensadores: Rousseau, São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 197

[3]JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.11

[4]CORNELL, Tim; MATHEWS, John. Renascimento v.I ,Grandes Impérios e Civilizações, Lisboa:Ed. Del Prado, 1997, p. 15

[5]BOORSTIN, Daniel. Os descobridores, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1989, p.523

[6]JUNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente. São Paulo:Brasiliense, 1986, p. 17

[7]NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na idade média, Campinas:Kirion, 2018, p.23; AMALVI, Christian. Idade Média.  In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean Claude. Dicionário analítico do Ocidente medieval. v.I, São Paulo:Unesp, 2017, p. 600; JÚNIOR, Hilário Franco. A idade média nascimento do Ocidente, São Paulo:Brasiliense, 2004, p.14

[8]BACON, Francis, Novum Organum, Sâo Paulo: Abril, 1973, Os pensadores, p. 52

[9] BLOCH, Marc. Introdução à história, Lisboa: Pub. Europa America,1941, p. 155


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