quinta-feira, 4 de junho de 2020

Escravos professores em Roma

Rebaixada a uma atividade vulgar, mal remunerada e sem a fiscalização do Estado Romano a atividade do ensino era muitas vezes reservada aos escravos, especialmente após a conquista da Grécia pelos romanos, quando vieram como escravos indivíduos bastante instruídos.[1] O escravo grego, quase sempre estrangeiro[2], conhecido como pedagogus / paidagogós[3], comprado por alto preço[4], era principalmente mentor em assuntos de etiqueta e boas maneiras.[5] Jerome Carcopino observa que o fato de entregar a um escravo ou na hipótese mais favorável a libertos, o encargo da educação produzia consequências desastrosas. Não raras vezes o jovem adolescente de família abastada humilhava seu professor como mostra Plauto em Bacchides quando o preceptor repreende as extravagâncias do jovem Pistocelo, este responde de forma abusada: “afinal eu sou seu escravo ou és tu o meu ?”. Noutra cena da comédia de Plauto o jovem agride ao escravo pedagogo.[6]A educação romana era fundamentada no conceito de mos maiorum (o costume dos antepassados). A profissão era notoriamente desacreditada e mesmo sob o Império alguns como Plínio o Moço (Pan, 51) o consideravam como o refugo da sociedade. Segundo Jerome Carcopino “a escola primária romana podia estragar a juventude que supostamente instruía, e em troca era bem raro que lhe fizesse sentir a beleza do conhecimento”.[7] Um dos escravos de Cícero, Dionísio fugiu levando consigo preciosos livros. Tiro era escravo e secretário particular de Cícero, uma função em que se exigia elevado nível cultural.[8]Roma possuía um comércio intenso de livros e muitas bibliotecas públicas, algumas luxuosas com as construídas por Augusto em Roma.[9] A grande maioria das pessoas que trabalhavam nas bibliotecas de Roma eram escravos. Lívio de Taranto era escravo em Roma na família Livii foi liberto e assumiu o nome de seu mestre trabalhando em um número considerável de traduções. Cícero usava escravos em sua biblioteca. A biblioteca do Pórtico de Otávia foi entregue por Augusto a um ex-escravo Caio Mecenas Melisso. Augusto libertou vários escravos que eram conhecidos como a “família de César” (família Cesaris) e alguns dos quais trabalhavam nas tarefas administrativas de bibliotecas.[10] Muitos escravos trabalhavam como copistas como os que trabalhavam para o ilustre banqueiro Tito Pomponio Attico, amigo de Cicero, que foi um dos iniciadores da indústria de livros.[11] Muitos escravos entre os gregos eram instruídos e tornavam-se professores de famílias ricas.[12] Livius Andronicus (284-204 a.c) que traduziu a Odisseia para o latim veio do sul da Itália para Roma como escravo e depois de conseguir a liberdade foi mestre de línguas latina e grega.[13]
[1] AZEVEDO, Fernando. No tempo de Petrônio, São Paulo:Melhoramentos, 1924, p.132, 188
[2] BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação, Rio de Janeiro: Brasiliense, 1981, p. 42
[3] JARDÉ, A. A Grécia antiga e a vida grega, São Paulo:Epusp, 1977, p.210
[4] CARCOPINO, Jerome. A vida quotidiana em Roma, Lisboa:Livros do Brasil, 1938, p.134
[5] HADAS, Moses. Roma Imperial, Biblioteca de História Universal Life, Rio de Janeiro: José Olympio, 1969, p. 88; MARROU, H. Educação e retórica In: FINLEY, Moses. O legado da Grécia, Brasília:UNB, 1998, p. 216
[6] GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma, Rio de Janeiro:Vozes, 1981, p. 173
[7] CARCOPINO, Jerome. A vida quotidiana em Roma, Lisboa:Livros do Brasil, 1938, p.136
[8] GOMES, Laurentino. Escravidão, v.I, São Paulo: Globo, 2019. p.71
[9] HADAS, Moses. Roma Imperial, Biblioteca de História Universal Life, Rio de Janeiro: José Olympio, 1969, p. 88
[10] CASSON, Lionel. Bibliotecas no mundo antigo, São Paulo:Vestígio, 2018, p. 76,85,109,111
[11] ONCKEN, Guilhermo. História Universal – História de Roma, Francisco Alves:Rio de Janeiro, v. V, p.162
[12] DEARY, Terry. Terríveis romanos. São Paulo:Melhoramentos, 2002, p. 64
[13] MONROE, Paul. História da educação, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1974, p.84

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