Gabriel Soares destaca a sagacidade dos índios do século XVI “engenhosos para tomarem quanto lhes ensinam os brancos [...] para carpinteiros de machado, serradores, oleiros, carreiros e para todos os ofícios de engenho de açúcar tem grande destino” exceto aqueles exercícios que exigiam de raciocínio e abstração.[1] Ao descrever os Tupinambás os descreve como “homens de grandes forças e de muito trabalho: são muito belicosos, em sua maneira esforçados e para muito, ainda que atraiçoados: são muito amigos de novidades e demasiadamente luxuriosos, e grandes caçadores e pescadores e amigos de lavouras”.[2] Joseph Hoffner observa que em diversos idiomas indígenas o termo correspondente a “trabalhar” é formado por uma raiz idêntica ao verbo “morrer”.[3] Frei João de São José (1711-1764) se refere á preguiça dos índios: “havendo rede, farinha e cachimbo, está o índio e o morador em geral em terno [satisfeito]”.[4] O francês Jean Léry em História da viagem à terra do Brasil (1578) salienta entre os indígenas seu grande vigor físico abatendo árvores enormes a golpes de machado e transportando-os aos navios franceses sobre o dorso nu.[5] Em Singularidades da França Antártica, publicada em 1557, André Thévet[6] descreve a coragem dos índios bem como sua hospitalidade. Tanto o calvinista Jean Léry[7] como o franciscano André Thevet baseados em suas experiências na França Antártica ajudaram a consolidar o mito do “bom selvagem”. Para Afonso Arinos em O índio e a revolução francesa (1937) e Sérgio Buarque de Holanda em Visão do Paraíso (1959) este mito do “bom selvagem” tem uma origem portuguesa, a partir do imaginário europeu no final do Renascimento e inflamado pelos relatos dos primeiros viajantes. Sérgio Buarque de Holanda mostra em Visão do Paraíso como os mitos de Eden e da busca do Paraíso povoaram o imaginário de portugueses e espanhóis: “essa psicose do maravilhoso não se impunha só a singeleza e credulidade da gente popular. A ideia de que do outro lado do Mar Oceano se acharia, senão o verdadeiro Paraíso terrestre, sem dúvida um símile em tudo digno dele, perseguia, com pequenas diferenças, a todos os espíritos”.[8] Lemos Brito observa que Portugal importou milhares de índios para trabalho escravo em Lisboa, podendo cada donatário exportar trinta índios por ano sem ter de pagar qualquer imposto, o que revela que Portugal na época não considerava os índios indolentes.[9] Com os jesuítas, por sua vez, acaba o mito do Paraíso. O padre Luis da Fonseca em “Informação da Província do Brasil” encarava os índios não como “bons selvagens” mas como integrantes de uma nova Babilônia: “É uma terra desleixada e remissa e algo melancólica e por esta causa os escravos e índios trabalham pouco e os portugueses quase nada e tudo se leva em festas, convícios, cantares, etc e uns e outros são muito dados a vinhos e facilmente se tomam dele”.[10] Para Manuel de Nóbrega “é gente que nenhum conhecimento tem de Deus [...] gente tão inculta regendo-se todos por inclinações e apetites sensuais e sempre inclinado ao mal”. Para Damião de Gois, grande nome do Renascimento português o indígena era um ser “bestial”, um “bárbaro”, incapaz de apreciar a razão ou a fé.[11]
[1] FREYRE, Gilberto. Casa
Grande e Senzala, São Paulo:Global Ed., 2006, p. 214, 229; SOUZA, Gabriel
Soares. Tratado descritivo do Brasil, Rio de Janeiro : Typographia Universal de
Laemmert, 1851, p.321; BRITO, José Gabriel Lemos. Pontos de partida para a
história econômica do Brasil. Brasiliana v. 155, São Paulo:Cia Editora
Nacional, 1980, p.133
[2] SOUZA, Gabriel Soares.
Tratado descritivo do Brasil, Rio de Janeiro : Typographia Universal de
Laemmert, 1851, p.307
http://www.brasiliana.usp.br/handle/1918/01720400#page/1/mode/1up
[3] HOFFNER, Joseph.
Colonialismo e evangelho, São Paulo:USP, 1973, p.173
[4] RODRIGUES, José
Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979,
p.102
[5] FREYRE, Gilberto. Casa
Grande e Senzala, São Paulo:Global Ed., 2006, p. 229
[6] RODRIGUES, José
Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979,
p.40
[7] RODRIGUES, José
Honório. História da história do Brasil, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1979,
p.41
[8] HOLANDA, Sérgio Buarque
de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.221
[9] BRITO, José Gabriel
Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. Brasiliana v.
155, São Paulo:Cia Editora Nacional, 1980, p.138
[10] MARTINS, Wilson.
História da inteligência brasileira, v.I (1550-1794), São Paulo:USP, 1976, p.
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